quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Bordões

Venho agora macular meu blog com uma questão linguajeira. Não pude evitar.
Replico aqui uma matéria saída no Jornal Integração de Barão Geraldo na segunda quinzena de agosto deste findo ano. Como não tive direito, no mesmo jornal, a responder tamanha idiotice, faço-o aqui como forma de catarse.

A matéria é de José Lacerda... e minha resposta vem logo nos comentários:

José Lacerda

Quem mora em Barão Geraldo há algum tempo passa a conhecer mais de perto seus moraores e, também, seus fornecedores.
Todos nós precisamos de alguma coisa e vamos à busca. Em Barão, tudo fica mais perto, mais à mão, mas nem tudo é fácil de se conseguir, em determinados estabelecimentos.
Há supermercados onde algumas caixas, sonolentas, falam entre os dentes o bordão do momento, quando vamos pagar: “Quécepéfnanota?”
Eu levei algumas semanas para entender o que aquela moça, de muita má vontade, estava me dizendo. Senti-me agredido, gratuitamente. Fico imaginando os estrangeiros que chegam ao bairro, mal dominando o idioma nacional, tentando entender esse atentado aos nossos ouvidos.
Nunca vi ninguém, entre os que entendem o idioma das caixas de supermercados, dizer “sim”, diante de tal pergunta com a qual nos agridem. Mas elas não desistem!
Alguns mecânicos, mesmo sendo atenciosos, também não primam pela clareza em seus palavreados ao cliente ali, à sua frente: “Costaliquijávai!”
Ele está pedindo que encostemos nossos carros na calçada e que irá nos atender em breve.
Outros que falam um idioma desconhecido são os frentistas de postos (exceto os do antigo Texaco, hoje Shell, ali da esquina da avenida dois).
Ao colocarmos o carro defronte da bomba de combustível, lá vem um deles e grita em nossa janela: “Xutankacomum?” Lembro, de novo, do professor estrangeiro chegando ao Brasil e indo abastecer seu carro. Coitado!
Outra atividade que pode ser complicada é a compra de material hidráulico. Acostumados a dialogar com operários da indústria da construção, os balconistas sempre fazem perguntas que nos deixam travados, tentando entender qual o idioma que o citado profissional adotou, naquele instante em que diz, quando pedimos algum material: “Trêsquartoumeia?”
Inicialmente, ficamos imaginando porque ele está nos oferecendo três quartos, quando já temos nossa própria casa, com sala, cozinha, banheiros, etc. Pior ainda quando vemos que ele também nos oferece meia, artigo que supomos ser mais adequado às lojas de vestuário, ou sapatarias.
Em certos açougues, o drama se repete. Quando pedimos carne, logo ouvimos: “Acempatinhoucoxão?” Os homens, principalmente, que nada entendem de carne, e foram apenas buscar algo para o churrasco de sábado, ficam com cara de espanto, diante do fraseado pouco claro.
Mas, não desanimamos, e continuamos comprando em Barão. Afinal, somos reconhecidos pelos nossos fornecedores e, embora mudem o idioma no ato da venda, ainda assim podemos chegar a bom entendimento.
Em algumas farmácias, então, a coisa pode ficar bem complicada. Outro dia, precisando de pastilhas para amenizar uma dor de garganta, entrei num conhecido local aqui do bairro. Expliquei o que queria, e o vendedor, baixinho e troncudo, com seu jeito nordestino, perguntou, em voz rouca e acelerada: “Xarópastilhougargrejo?” Cheguei a pensar que era uma nova fórmula que chegava ao mercado, com nome científico um tanto complicado. Logo veio o dono do estabelecimento, vendo a colossal interrogação sobre minha pobre cabeça e explicou que seu funcionário indagava, pertinentimente, se eu queria um medicamento em forma de xarope, de pastilha ou para gargarejar. Ufa! Imaginei o que seria se o dono não corresse a me socorrer!
Nas padarias, conforme o horário, temos que ampliar ao máximo o grau de entendimento do idioma que ouvimos, vindo do outro lado do balcão. Quando se pede o tradicional pão francês, logo ouvimos: “Scurinhoubrankin?” É a versão para pão mais ou menos queimado, conforme a preferência do cliente. Uma atenção que o profissional do balcão quer acrescentar ao seu atendimento, mas que, para ouvidos pouco afeitos, pode soar como um palavrão, uma agressão. O professor estrangeiro vai desistir da compra, certamente.
Hoje, com a moda dos cartões de crédito, também somos agredidos com um outro bordão, nos caixas de qualquer estabelecimento: “Détoucred?” Seria tão mais fácil dizer débito ou crédito, mas a pressa – essa inimiga de nosso idioma – cria essas frases toscas, arremessadas ao nosso encontro, sempre que usamos um cartão.
Ainda bem que não somos professores estrangeiros! Conseguimos, por isso, sobreviver aqui no velho Barão Geraldo, adaptando nossos neurônios para entender rapidamente o palavreado “esculpido a machadadas”, como diz um bom amigo meu, também aqui do bairro.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O ciúme arde

Olhando pelo buraquinho da porta, eu pude ver o corpo que era meu entregar-se ao desconhecido.
A chama brava veio, noites oníricas me arrastaram para o caldeirão do purgatório, mesmo com todo frio além da janela. A pele se mantinha tíbia e a imaginação fantasiava.
Aquela boca pura, aquela pele macia e clara em mãos de outra pessoa mais bonita que eu. Os complexos apareceram, os medos apavoraram.
Mas o pior é que tudo aquilo poderia ser a fonte de uma breve substituição, bastasse o entusiasmo levar aos reencontros - dia após dia -, então, uma nova rotina se constituiria. Finalmente, nossas antigas recordações seriam esquecidas. O desejo venceria o amor.
Toda a sua meiguice, todo aquele charme e até mesmo todos aqueles defeitos, com os quais eu afavelmente aprendi a lidar, transpostos para outro lar, para outro coração. Conversas noturnas, passeios vespertinos, muita sintonia entre a gente transformando-se em ruína.
A mente do coração ciumento divaga, vai longe e não entende que o amor não nasce facilmente. Se eu cavalguei milhões de morros para achar, se muitos como eu estão até agora procurando, não seria uma mera noite a responsável pelo desamor.
O desamor vem depois. Vem também da amargura, vem dos complexos, vem da angústia, do ciúme e da vaidade. Vem mais de mim que do outro. Por isso eu te amo cada dia mais.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Pandémica y celeste

quam magnus numerus Libyssae arenae

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aut quam sidera multa, cum tacet nox,

furtiuos hominum uident amores.

Catulo, VII


DE JAIME GIL DE BIEDMA


Imagínate ahora que tú y yo
muy tarde ya en la noche
hablemos hombre a hombre, finalmente.
Imagínatelo,
en una de esas noches memorables
de rara comunión, con la botella
medio vacía, los ceniceros sucios,
y después de agotado el tema de la vida.
Que te voy a enseñar un corazón,
un corazón infiel,
desnudo de cintura para abajo,
hipócrita lector -mon semblable,-mon frère!

Porque no es la impaciencia del buscador de orgasmo
quien me tira del cuerpo a otros cuerpos
a ser posiblemente jóvenes:
yo persigo también el dulce amor,
el tierno amor para dormir al lado
y que alegre mi cama al despertarse,
cercano como un pájaro.
¡Si yo no puedo desnudarme nunca,
si jamás he podido entrar en unos brazos
sin sentir -aunque sea nada más que un momento-
igual deslumbramiento que a los veinte años !

Para saber de amor, para aprenderle,
haber estado solo es necesario.
Y es necesario en cuatrocientas noches
-con cuatrocientos cuerpos diferentes-
haber hecho el amor. Que sus misterios,
como dijo el poeta, son del alma,
pero un cuerpo es el libro en que se leen.

Y por eso me alegro de haberme revolcado
sobre la arena gruesa, los dos medio vestidos,
mientras buscaba ese tendón del hombro.
Me conmueve el recuerdo de tantas ocasiones...
Aquella carretera de montaña
y los bien empleados abrazos furtivos
y el instante indefenso, de pie, tras el frenazo,
pegados a la tapia, cegados por las luces.
O aquel atardecer cerca del río
desnudos y riéndonos, de yedra coronados.
O aquel portal en Roma -en vía del Balbuino.
Y recuerdos de caras y ciudades
apenas conocidas, de cuerpos entrevistos,
de escaleras sin luz, de camarotes,
de bares, de pasajes desiertos, de prostíbulos,
y de infinitas casetas de baños,
de fosos de un castillo.
Recuerdos de vosotras, sobre todo,
oh noches en hoteles de una noche,
definitivas noches en pensiones sórdidas,
en cuartos recién fríos,
noches que devolvéis a vuestros huéspedes
un olvidado sabor a sí mismos!
La historia en cuerpo y alma, como una imagen rota,
de la langueur goûtée à ce mal d'être deux.
Sin despreciar
-alegres como fiesta entre semana-
las experiencias de promiscuidad.

Aunque sepa que nada me valdrían
trabajos de amor disperso
si no existiese el verdadero amor.
Mi amor,
íntegra imagen de mi vida,
sol de las noches mismas que le robo.

Su juventud, la mía,
-música de mi fondo-
sonríe aún en la imprecisa gracia
de cada cuerpo joven,
en cada encuentro anónimo,
iluminándolo. Dándole un alma.
Y no hay muslos hermosos
que no me hagan pensar en sus hermosos muslos
cuando nos conocimos, antes de ir a la cama.

Ni pasión de una noche de dormida
que pueda compararla
con la pasión que da el conocimiento,
los años de experiencia
de nuestro amor.
Porque en amor también
es importante el tiempo,
y dulce, de algún modo,
verificar con mano melancólica
su perceptible paso por un cuerpo
-mientras que basta un gesto familiar
en los labios,
o la ligera palpitación de un miembro,
para hacerme sentir la maravilla
de aquella gracia antigua,
fugaz como un reflejo.

Sobre su piel borrosa,
cuando pasen más años y al final estemos,
quiero aplastar los labios invocando
la imagen de su cuerpo
y de todos los cuerpos que una vez amé
aunque fuese un instante, deshechos por el tiempo.
Para pedir la fuerza de poder vivir
sin belleza, sin fuerza y sin deseo,
mientras seguimos juntos
hasta morir en paz, los dos,
como dicen que mueren los que han amado mucho.

A cigarra hedonista

Mais uma primavera se aprochega e eu cá em meu refúgio, asilo criado, contrariando à estação dos casais, dos acasalamentos e dos amores que se aconchegam.
Mais uma primavera que não será como as outras. Mais uma estação que não foi como outra. Sendo singular em ingredientes novos, ainda que únicos. Com o acréscimo de fama, reconhecimento, popularidade conquistadas e faltante em vida humana que cede carinho.
A busca não cessa, o caminho é sempre desviado, e as protuberâncias me propõe a queda: eu me deixo cair e permito que a vagueza me consuma.
Não prometo nada, não me prometo nada, a vida, a vida jovem, sobretudo, está aí para ser desfrutada, e ademais, não possuo mais créditos, minhas promessas valem tanto quanto um fio de navalha cego.
A primavera que deveria colher as benesses de um rigor hibernal, agora colhe as intempéries merecíveis tal qual a cigarra hedonista.
No entanto, ainda existe um lume ofuscado dentro de algum lugar em mim que me faz consciente e me guia nesta quase total insanidade.
Calo-me para não mostrar que sou uma ameaça à essência da primavera, calo-me para não ferir aos que acreditam nos devaneios desta estação florida, calo-me porque não quero salgar os rios. Calo-me porque é própria de mim a serenidade. Saio de cena porque necessito ser uma nova pessoa, capaz de entender um pouco do que é a primavera. E ser capaz de sentir todos os seus olores, admirar todas as suas cores e sentir o amor evocado a partir de um simples beijo. Quero me apaixonar!

P.S. Sim, consegui essa nova vida que buscava. Me apaixonei. Mas o coração romântico do homem apaixonado sofre muito mais que o coração solitário.

Morte e punição

Hoje descobri porque tenho me punido tanto. A punição é porque eu me matei.

Tinha a vida mais perfeita, segundos antes de cruzar aquela porta e entrar naquele avião. Mas eu escolhi, embora pense que em momentos posteriores fui compelido a escolher por minha viagem de estudos. De qualquer forma não fui um visionário e não dei importância ao conhecimento do mundo que já está dito. Tive a mínima sensibilidade de entender a canção das simples coisas e saber que a vida não cessa e que, quando a gente volta, as coisas simples como o amor podem ter sido devoradas pelo tempo.

Andei tanto pelo mundo a busca de um amor e agora que o encontrei, insensivelmente, recolhi minhas coisas e parti para a ausência de alguns meses.

Sem esse amor eu não sei o que sou, sem esse amor eu me matei. Estou morto, desanimado. Estar sem ânimo é ser apenas um corpo, um corpo que não come e nem sente necessidades.

Por que foi que eu perdi o meu vigor? Não precisava estar aqui. Poderia continuar modificando a vida do meu amor, poderia deixar que meu amor modificasse ainda mais o meu viver. É como se o nosso cordão houvesse rompido e nosso pacto não tivesse mais sentido.

Sou o responsável pela minha morte, pela minha mais recente morte.

http://www.youtube.com/watch?v=0cY5oZsxT7U

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Mandarino cambia

Aqui já não encontro mais a planta de mandarina que estava, a enfermedad que a acometeu assomada à secura e ao calor do verão deixou-a murcha e papi teve de decepar seus ramos e parte de seu tronco.
Um galho de uma das goiabeiras também foi podado.

Mudanzas, elas acontecem. As coisas seguem e se desenvolvem com certa independencia. E esta relação é que às vezes me apavora. Tudo o que é dotado de vida, naturalmente nasce, cresce, seca e um dia apodrece. E mais certo é que nascerão e apodrecerão, as otras fases poderão faltar. É inexorável, é inevitavel. O princípio e um suposto fin já estão assegurados. E nisto encontro a independencia.
Durante este ano que estive fora, as coisas que mais se notam de diferente são justamente a ausencia destas plantas. Isto é o que os meus olhos me revelam, o que de físico se mostra, já que eles ocupavam um lugar que hoje está vazio.
O mais importante, as mudanzas mais relevantes não as posso perceber de um golpe de vista.
Talvez elas nem tenham ocorrido. Porque estas modificações que menciono não acontecem com plantas, pedras, construções (ah, a casa está passando por uma reforma), atacam senão às pessoas. E as pessoas são mais duras a cambios. O fato é que de imediato não notei diferenzas nas pessoas. Aqui as mudanzas são lentas.
Entre o surgir e o desaparecer, o que há de indepente, existe um percurso que não é tão autónomo assim. Se eu estivesse por aqui antes e tivesse tempo de cuidar da mandarineira, seguramente hoje ela estaria ali fora dando frutos. Poderia ter interferido neste processo. Mas não estive por aqui e pasó lo que pasó.

O mesmo se aplica às pessoas.
Foi bom ter vindo ano passado, o pequeno, pela primeira vez, tomou consciencia de minha existencia e agora há pouco, quando cheguei da rua, pude notar sua alegria ao me rever.Fiquei sabendo também que por um bom período depois que parti pela primeira vez, ele perguntou por mim. São visitas esporádicas que realizo, mas que considero importantes para contribuir con mudanzas na vida dos que amo.

Enquanto escrevo o pequeno corre por meu colo, questionando as letras e não me deixa um só segundo.
Me aborrezo em pensar que a minha contribuição é pequena, porém me alegro ao notar que este mínimo é de intensa e franca valencia.
Durante nossos processos muitas são as pessoas que cruzam nossas estradas. E destas, algumas nos atropelam, "fazendo-nos" sofrer, outras nos acompanham por um largo rato, alegrandonos, outras ainda, nem nos atropelam e tampoco nos acompanham, passam como um feto, prematuro mesmo, abortado.
Não importa quem são estas pessoas, não importa de que maneira as conhecemos, vale que elas se tornam especiais e parecem revelar uma ligação muito mais do que efêmera, muito além, mucho más allá, do que um ciclo de surgir e desaparecer. Com elas vamos topando a cada percurso ... e se não a modificamos, elas nos modificam.

Superego

Vejo o mundo com certo pessimismo e desconfiança, porque ao mesmo tempo em que não posso estar sozinho, também tenho restrições quanto ao que os outros esperam de mim. O tempo todo tenho de preocupar-me com minha imagem, preocupar-me em ser querido, em ser agradável. E fazer a transposição de meu mundo complexo, para um mundo da superfície é uma tarefa que custa muito e às vezes me fere demais. Penso que seria mais fácil esquecer-me de minha imagem e deixar para trás o que os outros pensariam sobre mim. Mas esta atitude é tão penosa, seja pelas cobranças da pueridade seja porque o próprio mundo é assim. Ele sempre exige que tenhamos compatibilidade com nossos pares.

O sofrimento que sinto com a solidão é uma prova, em primeira instância, de que realmente nasci para o mundo e, depois, de que não posso ser uma pessoa solitária.

De todas as formas, vou tentando driblar esse trauma, talvez carregando minha vida de novos traumas, novos pontos de estrangulamento, criando novas imagens para novos conceitos. Mas, apesar de tudo, o importante é saber que mesmo não sendo sempre eu o único responsável pelas más situações, sou eu o único que pode cultivar as conseqüências e fabricar essas imagens. Tenho consciência de que dentro de mim há um mundo muito desconhecido e que lá dentro tem felicidade, ando apenas precisando retirar as minhas vendas. A felicidade alheia a mim pertence ao mundo, mas a minha felicidade interior, esta é só minha.

E quanto ao mundo, à felicidade do mundo, acredito que apenas serei feliz quando encontrar alguém que consiga ao mesmo tempo fazer-me descobrir minha felicidade interna e conseguir me mostrar a felicidade do mundo.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Poema II

Íamos à caça
Algumas aves alcançávamos
Delas arrancávamos as plumas

E
docemente preparávamos o jantar

Não sabia
onde terminava o tacape
onde começava o meu braço
e terminava o seu labor

Não compreendia
os limites
do meu
e do seu

De repente
seu corpo cobrou vida
e a amálgama se desfez

Eis
então que
Vou à busca do maná

Desarmado de coração
De forças esvanecida
pela solidão

Desreconheço-me
nessas veias enfraquecidas
pela saudade

Canção para encantar?

Tem dias que a gente quer falar, expressar diria, mas não encontra forma de fazê-lo. Então, como medida de acalentar os ânimos, o que fazemos? Obviamente nos colocamos debruçadamente em nossas canções preferidas. E, como idiotas, ficamos buscando algum verso que nos sirva. Mais uma vez é óbvio que vamos encontrar algo que nos apazigúe, afinal estamos à flor da pele, qualquer palavra em tom de conselho vai servir.
A coisa é tão imbecil que às vezes o contexto musical é um completamente diferente e estamos nós lá acreditando que aquela música quer falar por nós. Lembro da múscia tema do filme sobre São Fransciso Fratello sole, sorella luna. Há um verso da música principal, o primeiro, que diz: Dolce è sentire come nel mio cuore, sta nascendo amore. Muita gente, quando está à princípios de apaixonamento, ouve essa música tão para si que acredita que o tal do “amor” está brotando mesmo, quando na verdade o amor relatado na canção é um outro muito diverso daquele do coração apaixonado.
Música, amor e paixão são coisas indissociáveis. É impossível pensar uma paixão sem que haja uma musiquinha por trás que a respalde. Amor a mesma coisa. E não importa em que estágio estejamos no relacionamento, pode ser no começo, no meio (talvez menos) ou no final dele, e até mesmo após anos de uma ruptura... que sempre haverá uma canção para sofrer, viver ou recordar.
Quem nunca encarnou algum personagem de alguma música brega para se sentir o amante da vez¿
E quando há traição.. e quando o namoro era sólido e de repente acabou, mas algo ficou... e repentinamente também surge Amy cantarolando Tonight with words unspoken, you said that I'm the only one... O coração não resite, pode até irromper em prantos.
Mas se junto com a traição, que seja, vem também o ódio.. nada melhor que Soraya Arnelas: Márchate y llora por mí.. Has perdido tu oportunidad, me engañaste... y ahora tendrás que sufrir.. porque ya no quiero verte más… E lá, espremidinho em algum lugar da enorme letra, a gente encontra a maldição, a praga que do fundo do coração desejaríamos ao outro Por mí te puedes ir al cuerno, basta ya de tus mentiras y tu falsa forma de amar… cocínate en tu propio infierno sin mi amor.. anda llórale a ella y trágate tu dolor.
É indissociável, quando se apaixona, nunca mais as músicas são as mesmas. Até o ursinho pimpão se torna o protagonista do amor.
Mudaram as estações, nada mudou.... Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar.... mas nada vai conseguir mudar o que ficou..... Isto lhe soa familiar¿
Em casos de finais de relacionamento dosados com muito orgulho, recomendo que escute Shalim, aquele que é capaz até de esquecer o nome da pessoa a quem o amor devotou: tu recuerdo se me fue, tu fragancia se alejó, ya no quiero verte y si te encuentro por ahí la mirada bajaré y me alejaré de ti... poco a poco también tu perfume olvidaré y tus besos sin amor de mi piel arrancaré. Perdón se me olvidó tu nombre.. no sé si era María, Encarnación tal vez Mariana, se me olvidó decirte que si logré olvidarte tu querer no vale nada.
Mas se no final você ficar perdido, ouça Diego Torres, suas belas letras em tom de oração ajudarão: Que no me pierda en la noche, que no me encuentre confundido en el canto del que adula y que sólo juega conmigo. Que no me pierda en el aplauso indiferente de esa gente que aparenta conmigo, que no me pierda en un mundo que no entiende que ha vendido ya su alma y sentido, que la vida vale la pena.
Seguindo no ramo latino e aproveitando que ela está começando a ficar famosa no Brasil, Julieta Venegas também pode aconselhar para os diferentes estágios da paixão. Se você ama de verdade e está disposto a levar para casa o pacote completo do amor: um namorado inteligente, bonito, mas nada romântico, às vezes, apático. Se mesmo assim, você o aceita como é, vamos de Limón y Sal: Yo te quiero con limón y sal, yo te quiero tal y como estás, no hace falta cambiarte nada, yo te quiero si vienes o si vas, si subes y bajas y no estás seguro de lo que sientes.
Caso contrário, você nota que não dá.... que a insensibilidade dele é grande demais, e acredita que você nunca seria capaz de abandonar um amor, aquele acreditado ser o da vida inteira, o que todos nós buscamos, e você compreende que ele não é suficiente para os dois, pegue suas malas e parta: No voy a llorar y decir, que no merezco esto... porque, es probable que lo merezco, pero no lo quiero, por eso... Me voy, que lástima pero adiós.. me despido de ti y me voy, que lástima pero adiós, me despido de ti.
Afinal, a esperança não deve acabar por um amor que não deu certo, sempre há algo para a gente: Porque sé, que me espera algo mejor, alguien que sepa darme amor, de ese que endulza la sal y hace que, salga el sol.
E quando você quer conquistar uma donzela em seu palacete, aquela que não sai de casa se você não a levar em um carro de luxo.. e você é um pé-rapado... O que fazer? Cante-lhe isso: Sabes que para darte tengo poco, quisiera fuese el mundo aunque ni modo. Pero puedo llenarte los oídos de todas mis canciones, no son mucho, las hice a punto de ilusiones. Y si tu corazón no ve mi oferta, te ruego no veas indiferencia, paciencia es que mi amor es luz de luna, suavecito pero alumbra los rincones donde tienes el alma oscura
Si me quieres dímelo, dímelo..
Amor e amizade são conceitos muito próximos, não é à toa que em latim clássico a palavra “amor” também servia para designar amizade. A poesia trovadoresca também fez isso, quando o amado escrevia suas cantigas de amigo.. na verdade queria insinuar o seu amor. Hoje, quantas vezes não dizemos aos nossos pais que vamos visitar um amigo, quando na verdade há muito mais nessa amizade¿ É com este caráter que podemos interpretar a canção imortalizada por Marikena, a Edith argentina. Cuando un amigo se va queda un espacio vacío que no lo puede llenar la llegada de otro amigo, Cuando Un Amigo Se Va Galopando Su Destino Empieza El Alma a Vibrar Porque Se Llena De Frío.
Na ausência de um amor, as músicas também estão às voltas.... o silêncio amoroso também tem significado.. um poderoso significado ... e você vai pensar que é solidão.. e vai chorar muito ao ouvir : La soledad es algo asi, como buscar y no tener con quien estar. La soledad es algo asi, como querer y no saber por que llorar. Es un amante en el anden que mueve el brazo tras el tren, como intentando dibujar su soledad...
Pára de tristeza, vamos seduzir, vamos ser Bitch, Britney... waiting for tonigh... Afinal, a sedução é uma poção muito perigosa.. Todo quema y mi corazón, que se agita a mil por hora y yo perdiendo el control. Seducción, peligrosa poción que me envenena el cuerpo, me pone al descubierto, amor. Sin defensas, estoy tan propensa al pecado de tu boca, que todo esto provoca en mí.
Mas se você não é do tipo galanteador, de arrasar corações... fique em casa ouvindo sua estação favorita.. aposto que as músicas lhe farão outro sentido. Expiremente uma MPB, aposto também que, dentro em breve, reconhecerei algum fragmento do seu nick no msn...

Barcelona já não volto

Eu fui correndo até ali, naquela beiradinha, no alto daquele barranco, bem lá, do lado mais distante da falésia e fixei minha mirada rumo ao vasto oceano, já havia experimentado tal feito... agora era novo. Aquele último pedacinho de chão, embora eu estivesse enganado, me fazia sentir mais perto de casa. Na verdade, a água salgada me atraía, queria misturá-la com a das minhas lágrimas. E verti por longo tempo tudo o que eu merecia, fazia um frio, mas o corpo já nem percebia mais, o calor deixado pelo rastro do pranto era suficiente para afastar a brisa de inverno.
Chegou o meu momento, hora de refletir. O que levamos? Não podemos tudo, não entra tudo, o espaço é limitado: pedaços de mim ficarão. Porém, a resultante, não importa de que tamanho seja, sempre acompanha a gente. E chegou a hora de manipular meus cálculos, somar as vertentes, subtrair as menores, organizar os ângulos: é um trabalho duro, sem esquadros, nem compassos ou réguas, é tudo feito de cabeça, com as próprias mãos, com a própria memória.
O que levarei? Onde está a minha resultante? Está nas minhas mãos calejadas, nos negros dos meus olhos, na magreza recente, e sobretudo, no mais íntimo do meu peito, manifestando-se nos atos que hão de vir, na minha nova relação de ver os outros e ver o mundo.
Deixo muitos pratos sujos, a pia repleta de louça, que muitas vezes preferi quebrar a ter de limpá-las. Deixo a porta aberta, a luz acesa, o gás ligado... Para que entrem os ladrões e levem tudo, para que venham os gusanos e comam tudo, para que tudo acabe. Não farei nada, não restarei para assistir.. partirei de pronto, finjindo um orgulho que não é meu.
Eis a resultante. Uma nova vida, sem muita bagunça, sem muito barulho, sem muitas pessoas. À espera, de que venha do céu o fim disso tudo, uma página menos pesada e mais fácil de virar.

De que eu gosto?

Foi-se o tempo em que eu poderia descrever meus gostos, contar para todos as atividades que gosto, o que me apetece ingerir, demonstrar os cheiros que me dão prazer.
Foi-se esse momento, mas não faz muito tempo. Coisas de alguns anos, ou semestres, ou meses mesmo.
A gente nem se dá conta desse processo de mudança, quando vemos, olhamos para trás e percebemos que já não somos como antes. Ou, então, lemos algum perfil no orkut e notamos que os gostos de algumas pessoas um dia já foram como os nossos, os meus: é como um espelho, mas opaquecido, que não transmite com total fidelidade a imagem real, é um virtual modificado.
Acho que já não tenho mais gostos, não tenho preferências, a mim me dá tudo igual, tanto faz o rosa ou o azul, o pequeno ou o grande, o muito ou o pouco, para mim são inúteis todos os antagonismos.
Isso não faz muito tempo! Me sinto como uma pilha de fatos, sem conexões, histórias mal acabadas, me sinto uma barata mareada, procurando sempre a melhor saída. Tenho meu objetivo, mas não me intero desse processo. ¿De que vale perseguir uma meta e não disfrutar o instante?: não sou uma mera entalpia, um número absoluto - endo, exotérmico. Não quero ser um apanhado de ciclos que não se cumprem, uma sopa que não engrossa, um vinho que não fermenta. Está na hora de vivenciar mais, experienciar mais, sobreviver menos, voltar atrás e concluir, dar os elos que faltam a essa corrente, assinalar os trilhos dessa vida bi, trifurcada, infinitamente dividida e encontrar pelo menos um fio que une esse emaranhado de fatos, necessito constituir minha história, parar e fazer a minha retroalimentaçao e decidir com sabedoria quais serão os inusitados percursos, as surpreendentes e novas cadeias que a partir de sempre irei enfrentar.
Assim, me lembro que no fundo ainda tenho meus gostos, apenas perdi a sensibilidade e a vontade de exprimi-los, me lembro que adoro poesia e que entendê-las requer um bocado de tristeza, gosto de ser romântico, apesar de que custe aos outros, ao que é externo, notar as diferenças, amo a delicadeza dos detalhes, ainda que o mau humor o avassale. Sou crítico, mas ãao insensível, e dói profundamente quando noto, sobretudo aos olhos de quem me ama, que sou uma interpretação vacilante daquilo que não sou, não estimo e nem quero ser.

Primeiras impressões (isso há algum tempo)

Aqui em Madri tem muita coisa bonita para se apreciar. Mas a maioria delas não tem a menor graça. As cores são um tanto quanto opacas, as construções são acinzentadas... algumas brancas.
Não gosto desses edifícios. São magnânimes, de puro concreto. Mas cinzas, tristes, antigos e imponentes. Cai muito bem para o estilo espanhol. Imponência é uma característica fundamental de toda a Espanha. Este espírito de superioridade está por toda parte.
Fico estarrecido como esse bando de turista idolatra tanto concreto, ainda mais que as edificações só foram possíveis graças à exploração da América Latina.
Os turistas brasileiros têm geralmente meia idade. Dá para perceber que são pessoas que sonharam a vida toda em vir a Europa, chegaram na idade de correr atrás de seus sonhos. Fico triste em ver como são idiotas os objetivos da pequena burguesia. O que mais não compreendo são os jovens conterrâneos que têm a oportunidade de realizar "o sonho" em tenra idade. A alegoria mais bizarra que posso mencionar é um jovem carioca, que exibia suas viagens como um troféu. Conheci-o num albergue, e todo cheio de orgulho, contava a todos os demais brasileiros que encontrava sobre seus passeios, como se a experiência de viagem mais importante fosse a dele, como se as impressões mais válidas fossem a dele. Posso apenas sentir pena da pequenez dessa pessoa.
Se alguém olhar alguma foto minha ao lado de qualquer monumento, vai notar que a pequenez é minha. Mas não me sinto nada diminuído diante da imponência espanhola, dos leões e cavalos de concreto e ferro, das pedras roubadas. Sinto revolta ao saber que nossas riquezas foram transformadas em atração turística, e que minha viagem de estudos a Europa só é possível graças a uma esmola dada encarecidamente por eles.
Fico pensando como se sentiram os índios quando aportaram os espanhóis com tanta imponência, tanta rudez.
Sinto que cada vez que viajo para a Espanha envelheço uns 15 anos. Como essa é a segunda vez, acho que já cheguei a meia idade. Hora de já ter conquistado meus objetivos.
Estas são minhas primeiras impressões e estou me sentindo como se houvesse morrido. Uma vida paralela lá no Brasil deixou de existir para mim.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Por que tens nome tu...

Por que tens nome tu...
Por que tens nome tu,
dia, quarta-feira?
Por que tens nome tu,
tempo, outono?
Alegria, pena, sempre
por que tens nome: amor?

Se tu não tivesses nome,
eu não saberia o que era
nem como, nem quando. Nada.

Sabe o mar como se chama,
que é o mar? Sabem os ventos
seus sobrenomes, do Sul
e do Norte, além
do puro sopro que são?

Se tu não tivesses nome,
tudo seria primeiro,
inicial, tudo inventado
por mim,
intacto até o beijo meu.
Gozo, amor: delícia lenta
de gozar, de amar, sem nome.

Nome: que punhal cravado
em meio de um peito cândido
que seria nosso sempres
e não fosse por seu nome!