quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Coragem?


Sabe aquele dia que vc acorda com vontade de rasgar a barba?
Mas cadê coragem?
Sabe aquele dia que vc levanta com vontade de raspar a sobrancelhas?
Mas cadê coragem?
Aquele dia que vc quer tirar todos os pelos da sua cabeça?
E pintar a cara de preto e se lambuzar de tinta colorida?
Mas cadê CORAGEM?
E a vontade de sair pelado na rua
E querer mandar todo mundo tomar no cu?
Coragem? Cadê você?
E a vontade de botar fogo nos livros
e queimar tudo junto com as estantes tombadas?
Coragem?
Imagina a delícia que seria atirar na privada
essa merda de computador!
Queria mostrar o dedo do meio pros defensores da língua!
Queria mostrar a língua pras hienas carniceiras
que rondam as minhas derrotas!
Mas e a coragem?
A liberdade é submissa à coragem,
que é submissa à autoridade,
que é submissa ao invisível dos padrões naturalizados.
Meu recalque é a falta de coragem.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Ciranda da angústia





Resistir e resistir
e existir e desistir

Não sei de onde vem,
se é ela quem desencadeia...
se é ela desencadeada...

Quem é o agente?
Nós, a gente.
Ou a ausência disso:
sós, doente.

É um acúmulo, apertado:
nós... que entopem, entalam.

ela engendra a febre!
sangue que não corre...
escorre
pelo vácuo dos tabus

Pois não. É um delírio!
Intoxicação:
que se cala com a ação.

Veneno que dá nela.
Primeiro mal de corpo
Depois humor parco.

Efeito rarefeito
filho de um feitiço
um reboliço indefinido:
onde está a ponta?
o começo e o fim?

Não sei de onde vem,
se é ela quem desencadeia...
se é ela desencadeada...

resta um peito estreito
angosto
sem cantos
e sem ângulos
resumido na moléstia
da angústia sufocante.

Resistir e desistir

Existir e resistir.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

El árbol-yo



A veces
me siento como
ese árbol
bajo el frío
de un día acálido
de los más quemantes
e intrépidos fríos

cuyas hojas maduras
y venideras
tiritan conjuntamente

El viento solo sabe producir
un movimiento gris

Soy como ese árbol resequido
guardando recuerdos
de tiempos cercanos
hojas viejas verdes y amarillentas

Soy como ese árbol sereno
esperando en flor
que salgan sus nuevos colores

Soy como ese árbol entremezclado
dudando y creyendo
en un plumaje
de veras ambivalente

Soy ese árbol
medio borroso
medio yo mismo

Soy lo que se ve
aunque las raíces
nunca se las
voy a lucir

Nada




Assim como na balada
entoada por repetidas noites:
Eu não tenho nada.
Sou eu que não tenho 
Nada, nada, nada.



Você tem algo...
talvez não seja tudo
mas é uma parte

Eu, contrariamente,
Não tenho nada.
Sou eu que não tenho
Nada, nada, nada.

Talvez você não tenha
a memória daquele entusiasmo.
Talvez foi melhor esquecer
Para renovar

Em vez de nada,
tenho a memória
que você anda fazendo questão
de esquecer.

A renovação te deu
uma parte.
Não renovei,
tenho nada.
Continuo não tendo nada
Nada, nada, nada.

Um nada tão vazio.
Um vazio tão com cara de nada.
Lembranças vazias,
cheia de um nada doloroso.

Asi nomás

E enquanto eu bebo
imagino poesia com sua imagem
Reconheço seu rosto em cada rosto novo.

Os olhos repuxados, pequenos
excesso de pálpebra.

Depois uma barba meio espessa
maxilar projetado

Um parrudo infantil
uma contradição pueril

Então imagino um par de nádegas
somente revelados na intimidade
Desgastado pelo cotidiano.

Meio caídos
meio duros
típico da raça branca jovem

No fim
a noite acaba
e o re-conhecimento também,
Eis um estado de recordação
Eis um coração fragilizado
Impossibilitado de recomeçar.

É, pois então, que
o dúbio plano de fundo
antecipa a realidade:

Fui vencida pelo fetiche da masculinidade.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Identidades

Em 2014 faz 10 anos que sai da casa da família, sai da cidadezinha e fui morar só, num lugar muito distante de onde me criei. Antes disso, eu já tinha morado fora da casa da minha mãe, mas era diferente, porque ainda estava na tutela de parentes. Então, digamos por assim dizer que, no ano que vem eu comemoro 10 anos da minha completa emancipação.
Quero fazer uma reflexão sobre o fluxo das minhas identidades ao longo desse tempo.
Lembro de ter sido uma criança e um adolescente bastante protocolar: bom aluno e bom menino. Apesar de ser diferente e ter sentido a angústia típica da idade, posso dizer que não tenho consciência de ter sofrido bulliyng. Às vezes, eu penso que a minha vontade de inclusão, a vontade de estar incluído na classe supremacista era tamanha que isso me cegava para as possíveis opressões adolescentes. Naquela época, eu nem sabia o que significava opressão. Eu gostava de me identificar como o garoto exemplar, aquele que agrada a todos, embora não tivesse a mínima consciência sobre esta identidade.
Como a identidade não depende só da gente, mas também do outro, os outros me identificavam, já no colegial, como um nerd. Realmente, eu quase não saia de casa e gostava muito de estudar e isso foi o suficiente para me render o título. Mas, antes, outras identidades também me constituíam. Algumas eram herdadas, já que meu pai era músico e estrangeiro, acabei crescendo acreditando naquela baboseira de que meu irmão e eu tínhamos o dom para a música. Cresci me identificando como dotado para esse dom. Como tinha a pele morena e o cabelo liso e preto, também me taxaram de índio, de filho de índio, mesmo meu pai não sendo indígena. Meu pai já era um mestiço. Por parte de mãe, eu herdei o sobrenome marcado. Sabe como é cidade pequena de interior: já se nasce com uma estrela na testa. Eu era o primogênito dos Jiquilin, significasse o que isso significasse. Até então, minha sexualidade não era parte significativa da minha identidade. Também não tinha consciência de nada disso, eu apenas reproduzia o padrão, com todo o recalcamento necessário para ser um deles.


Em 2004, quando deixei pra trás tudo isso, abandonei também todas essas identidades. Mas a coisa também não foi um oba-oba. Não fechei uma porta e sai correndo e gritando do outro lado: _ Liberdade, liberdade, agora sou o que quero ser.
A maturidade fez parte desses anos. Cheguei como um ser acuado e perdido. E a consciência das coisas foi se despertando aos poucos. Foi uma transição bastante lenta na minha vida. O ranço das identidades passadas foi bom em alguns sentidos: continuei sendo um bom menino protocolar e com isso me graduei no tempo certo, tirei boas notas, viajei, enfim, colhi os frutos que a meritocracia queria me dar. Mas foi só isso.
Por outro lado, eu já não era mais índio e nem músico. Para alguns professores, assuntos relativos à música não eram endereçados mais a mim. Eu tinha me tornado paraguaio: virei um especialista em guarani, mesmo não sendo nativo nessa língua. Aproveitei a onda e estudei bastante essa língua.
Longe de parentes, longe de expectativas dos íntimos e dos outros, questionar a sexualidade foi se tornando algo comum. Cada vez mais fui tornando isso mais evidente em mim, até eu chegar num ponto em que questionar o status quo se tornou a coisa mais importante do meu desenvolvimento intelectual.
Nesses 10 anos percebo como a relação das identidades atribuídas determina os passos futuros. Acho que é mais ou menos assim que consigo me mover numa briga constante entre o que me assujeita e o meu lugar de autoria da vida. Como reproduzir e mover? Como se auto conduzir e deixar de ser uma enxurrada?

Tenho engatilhado novas identidades, pontos de ancoragem, sobre as quais pretendo voltar daqui 10 anos e notar como frutificaram. 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Escritura

Eu preciso escrever para dormir. Escrever é a minha pílula de Morfeu. Sem a ponta dos dedos, sem o teclado, as pálpebras não fecham. Preciso desentupir a cabeça, anuviar com as palavras. Hoje eu não encontro o caminho das letras. Está difícil escrever. Talvez eu não tenha conseguido me despir diante do espelho. Talvez esteja envergonhado do meu nu: uma vergonha, ao mesmo tempo, de mim mesmo e dos outros. Escrever exige um outro, nem que seja eu mesmo. E, nesse mundo de vaidade, não quero mostrar minha carne para ninguém. Sou fruto, não sem consciência, do consumo. E neste momento me sinto infeliz por não ser consumível. Escrever não bastará.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Desistir?

É muito difícil encontrar companhia…  à medida que o tempo vai passando,o crivo vai se estreitando, porque agora já não me sacio com as frivolidades juvenis. Preciso de sal: muitos são os corpos salgados, poucas são as mentes. O tempo avança e me distancio. Minhas projeções são cada vez mais intensas, porque já é raro encontrar uma paixão percuciente.
Mas as projeções passam, as situações me fazem cair na real.
E depois, tudo fica claro.
Desistir é mais complicado ainda, porque o curso dos livres-arbítrios pode jamais se entrelaçar, apesar de tantas semelhanças. Mais uma vez, os fatídicos azares da vida podem afastar para muito distante, talvez para o mar do esquecimento, a companhia que lhe supre (física e mentalmente).
Um “sim”, hoje, repercutirá em todo um trajeto, longo, muito longo.... que talvez um “não” pudesse abreviar sepulturalmente.
Eis um jogo de escolhas complexo como o de encontrar companhia e como o de desistir delas.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Oração da liberdade


Oh, coisa divina a que alguns chamam Deus, e a que eu prefiro chamar mente, fazei-me resistir aos desejos que não são meus. Fazei-me resistir a essa força que é anterior a mim e que permanecerá inabalável posterior à minha existência. Ajudai-me não só a entender os caminhos que me subjetivam, mas também a discernir quais deles são correntes da coerção das massas e quais são as vontades do meu eu latente. Dai-me força para viver de acordo com a liberdade. E que a minha felicidade esteja dentro e não fora. Elevai meu espírito ao mais alto dos objetivos humanos de modo que todos os sofrimentos se tornem os mais espúrios. Afastai-me da mesquinhez, livrai-me da vontade de propriedade. Iluminai meu coração para que eu entenda que nada me pertence. Daí-me serenidade e mais nada para que possa compreender, relativizar e amar sempre.
Que seja desse jeito.

terça-feira, 28 de junho de 2011

O problema é o feminino

O machismo está aí batendo em nossas casas há muitos séculos. A adoração ao masculino não é uma invenção da nossa sociedade e nem se originou no nosso tempo. É difícil precisar como se deu a primeira manifestação machista. Há os que digam que essa forma de poder existe desde que o homem das cavernas começou a puxar a mulher pelos cabelos. Mas não importa. O machismo é algo cultural, isso quer dizer que ele foi criado pelo homem, ainda que a retrógrada psicologia evolucionista apregoe que se trata da própria biologia humana. Por ser algo cultural, ele funciona como um efeito catraca: o homem o aprendeu em alguma etapa de sua filogênese e o foi aperfeiçoando (se é que podemos dizer que o machismo é algo perfeito). Da Grécia Antiga, da qual legamos muito da cultura, podemos ler tragédias e comédias de autores muito influentes que menosprezam a mulher, que a inferiorizam. A misoginia, cujo próprio termo é grego, é o ódio pelo feminino.


Com o passar do tempo, o machismo vai sendo transmitido culturalmente para as novas gerações e vai se modificando.

A análise que faço do machismo hoje no Brasil, e talvez na América latina, é de que ele é um tipo de misoginia. O machismo nosso hoje é uma aversão pelo feminino. Odiamos o feminino na medida em que exaltamos o masculino. Aprendemos que ser masculino é mais importante que ser feminino. Ser masculino é prestigioso. Também criamos toda uma concepção do que é ser feminino. Ser feminino é ser sentimental, é ser frágil, é ser sensível, entre muitas outras coisas. Portanto, ser feminino não é apenas possuir uma vagina. Mas quem possui uma vagina sofre em dobro, porque se espera dessas pessoas um comportamento feminino.

Essa forma de machismo se manifesta por todos os lados e inclusive dentro dos movimentos de minorias. A lesbofobia, que é a aversão por lésbicas, é um exemplo desses. Muitos gays (do sexo masculino) têm horror a lésbicas. Mas essa fobia é por causa do elemento “feminino” advinto do estereótipo daquela que possui uma vagina. No fundo, o lesbofóbico é misógino, porque tem horror ao feminino.

O gay afeminado também vai sofrer desse preconceito dentro do próprio coletivo do qual faz parte, porque os gays não afeminados estão inseridos nessa lógica do machismo. Quase todo mundo odeia o feminino.

Muitos queimarão as bandeiras cor-de-rosa. Por quê? Porque o rosa representa o... feminino.

Mas o engraçado disso tudo é que os gays percebem que eles são oprimidos pela sociedade heteronormativa. Os gays percebem que o machismo os oprime. Mas eles não percebem que até eles mesmo são opressores quando lhes toca. O machismo só é percebido quando se infringe uma norma heterossexual: a de que homens se relacionam com mulheres. Contudo, o machismo não é percebido quando ele infringe uma conduta homonormativa: o de que gays devem ser masculinos.

Os gays percebem como lhes pesa uma macrofísica do poder, mas não percebem que eles instauram uma microfísica desse mesmo poder.

Recentemente saiu um vídeo chamado “Não gosto de meninos”. Eu, particularmente, não gostei muito dele, porque apesar de ser muito instrutivo, e por isso tem uma mensagem vendável, ele demonstra essa microfísica do poder. Lá pelas tantas, um dos entrevistados diz: eu achava que ser gay era ter uma postura assim (e nesse “assim”, você entende “ser bixinha”). Sabe, tudo bem de você não gostar de comportamentos afeminados. Mas, por favor, não me venha recriminar o “feminino”.

Exatamente pelo ódio ao feminino ser uma tradição e exatamente por ser um construto social, é que podemos combater esse tipo de preconceito. Não odeie as travestis, não odeie as transexuais ou os transgêneros. Acredito que essas categorias, umas que transitam outras que transgridem as fronteiras entre o masculino e o feminino, deveriam ser as mais prestigiadas dentro da cultura gay. Porque, na maior das instâncias, são elas que derrubam e desfazem as hierarquias entre masculino e feminino e permitem que você, gay masculino, não tenha medo do armário. Por outro lado, não adianta você sair do armário, se você carrega um guarda-roupas de preconceito contra o feminino.

Quando a gente começar a vencer essas barreiras dentro do grupo é, então, que poderemos falar de combate PLENO ao machismo. Reage, galera, machismo é violência.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Meu nome fala

Alguns defendem que os nomes revelam muito sobre as coisas a que eles rotulam. Outros, contudo, são da opinião de que o nome é arbitrário a coisa. Eis uma polêmica antiga, antiga como o diálogo de Crátilo, escrito por Platão.
Realmente sabemos que há muita arbitrariedade no nome das coisas. Por que “cadeira” se chama “cadeira” em português e “silla” em espanhol? Se houvesse um motivo para as coisas se chamarem como elas se chamam, então, não haveria línguas variadas e uma língua mesma não teria variações.
Meu nome, por exemplo, não guarda nenhuma essência, uma característica própria, uma dieguice, que me faz chamar assim. Talvez o sobrenome sim, porque já vem caracterizando todos os meus ancestrais e, no mínimo, diz sobre minha genética. Já foi carregado de semântica histórica.
No entanto, coincidentemente, meu nome consegue falar muito sobre mim. Se o analisarmos cuidadosamente, veremos que a arbitrariedade cedeu passo a uma motivação. No meu caso, pura coincidência? Não, prefiro considerá-la como uma apropriação!
Vamos começar pelos sobrenomes:
Ramirez, este vem marcar minha ascendência hispânica, alguma vez perdida na colonização americana. Acreditamos sempre que somos filhos de quem somos. Cremos que o nome é a nossa origem.
Ledo engano!
Quantos outros sobrenomes não tiveram de ser apagados para que Ramirez vigorasse? Quantas mulheres índias ou brancas silenciaram a transmissão de seus sobrenomes?
Ramirez, por exemplo, pertence ao padrasto do meu pai. Desavenças familiares fizeram com que os Forcados, os meus geneticamente aparentados, não legassem seu rótulo à geração seguinte. O nome do homem deixou de ser transmitido ao meu pai. Menos machismo? Pelo contrário, mais machismo cultural: o pai não assume sua cria e outro homem nomeia a cria da desamparada.
Ramirez, porém, é um nome que, embora não fale da minha genética, conta a história da minha família. Faz parte da minha identidade e me faz ser paraguaio. Ramirez, no espanhol paraguaio, é tão frequente quanto aos Silva, no português brasileiro. É um nome que representa o que há de mais comum no povo paraguaio. De certo, é revelador quanto ao meu processo identitário.
Agora vamos a Jiquilin. Realmente Jiquilin é o meu sobrenome. Não se trata de apelido, embora muitos pensem assim. Também não é um nome indígena e nem é paraguaio. Jiquilin é o que eu considero um verdadeiro nome brasileiro. Criado aqui, fruto de miscigenações, cuja história obscura tento decifrar.
Conta-se que Jiquilin é um nome italiano. Meus avós inclusive costumavam dizer que é um nome oriundo da Calábria. Tenho minhas dúvidas. A terminação “in” é freqüente nos sobrenomes franceses. O professor Ilari uma vez me disse que na época da chegada dos italianos, ou seja, na época da enorme recessão europeia, era comum que muitos franceses migrassem à Itália e de lá viessem ao Brasil.
Também não sei se Jiquilin tem algo de francês. Sei que com minha intuição linguística posso tentar reconstituir esse nome.
A começar pela confusão entre fala e escrita.
Suponhamos que o acento ainda seja oxítono, então podemos defender que a vogal “i” da sílaba tônica tivesse sido no passado um “i” mesmo.
Mas, os outros dois “i”s poderiam ter se originado de um “e”. Vocês se lembram que em quase todo o Brasil, pronunciamos como “i” quase todos os “e”s postônicos e alguns pretônicos? Tenho certeza de que o escrivão, o que primeiro cometeu esse lapso, muito provavelmente deixou-se guiar pela pronúncia já abrasileirada do sobrenome.
Então, já temos no mínimo alguns candidatos: Jiquilin, Jequelin, Jequilin, Jiquelin.
Quanto à escrita, há de considerar-se que a letra “j” não existe em italiano (existe sua irmã “g”, atualmente pronunciada como uma africada), isso tudo se o sobrenome for italiano.  Se assim for, o “qu” do português tem de dar lugar ao “ch” italiano. Assim, as possibilidades escritas para o nome remoto seriam: Gichilin, Gechelin, Gechilin ou Gichelin.
Também devo considerar que o contexto de final de palavra propicia em muito as erosões fonéticas. E, então, por que não considerar a existência de mais uma sílaba, cujo núcleo é preenchido por um “i”? Soaria mais italiano, no mínimo. Agora, as possibilidades do sobrenome ancestral se duplicariam: Gichilin, Gechelin, Gechilin, Gichelin, ou ainda, Gichilinni, Gechelinni, Gechilinni, Gichelinni.
O santo Google aponta a existência de algumas dessas formas, mas eu prefiro não conhecer esse passado. É uma história que pouco importa para a formação do meu sujeito. Atualmente, os Jiquilin somos bem poucos, muito raros, em vias de extinção. Só há minha família, de 4 ou 5 ramos, cujas portadoras do nome são majoritariamente mulheres da geração da minha avó e da minha mãe, as quais não transmitirão o sobrenome para seus filhos, ou, quando passado aos filhos, estão fadados ao sepultamento, já que não figuram como o nome mais importante. O do macho é o mais importante.
Gosto de ser raro. Gosto também da confusão que as pessoas fazem com o meu lado paraguaio. Há uma palavra em espanhol que muito se parece com Jiquilin, é “Chiquilín”, traduzido ao português como “pequenino”. Somente comigo essa brincadeira funciona, já que sou o único Jiquilin nativamente (o que quer que seja o significado de “nativo”) hispano-falante. Dessa vez, o Hermógenes, aquele personagem do Platão, teria razão: sou um pequenino e meu nome fala isso sobre mim.
Atenção, o mais interessante é que o meu primeiro nome conta muito sobre mim. Sou Diego. O dono de dois egos. Di-ego.
Acho que não teria nome melhor que pudesse deixar tão evidente essa minha identidade que se faz no interstício de dois mundos.
Sou geminiano, o signo das duas faces. Talvez uma para cada mundo. Sou binacional, uma para cada ego. Sou bilíngüe, uma para cada eu. Realmente devo reconhecer que guardo dentro de mim dois pólos.
No entanto, mais do que estes pólos, transito continua e ininterruptamente entre eles. A minha identidade é essa: a da inquietude, a da infinito-culturalidade. Entre 0 e 1, há um mar infinito de possibilidades.
Com tudo isso, não defendo a não arbitrariedade do signo. Demonstro como tenho a felicidade de que meu nome fale sobre mim. De como o tempo faz a gente dar significados para os signos. Sou único. Meu nome é único. E a minha história é a que eu quero lembrar!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

primeiras impressões Paraguai (nem tão primeiras)




Sou invadido por um sentimento muito paradoxal, quando venho ao Paraguai. Gosto muito da cultura cosmopolita, da sofisticação, do requinte, e o Paraguai é um país em que raramente estas características ocorrem. A capital Assunção pode até oferecer uma centelha disso, mas nada se compara ao mundo moderno das capitais europeias ou mesmo da grande São Paulo. E, então, penso se consigo ficar longe dessa cultura, com a qual fui me acostumando ao longo dos últimos anos.
Por outro lado, no Paraguai, tenho certeza de que posso encontrar das pessoas mais amáveis e doces por aí nesse mundo.
Desse jeito, vejo minha cultura posta em xeque. Sinto-me como o filho interiorano que cresceu e se mandou para a capital. Ao mesmo tempo que me dá vontade de ir embora viver a cidade grande e mergulhar a fundo no ambiente jovem da universidade brasileira, tenho também a imensa vontade de permanecer mais tempo, sentir todo o carinho que os paraguaios dispendem a mim.
Penso se já não é hora de retribuir à sociedade o conhecimento que dura e afavelmente adquiri. Na verdade, vejo esta oportunidade de ser leitor como um momento de transição entre minha vida de aluno e a de professor. Sem um limite muito estanque, sempre na sombra da ambiguidade: ora pendendo para um lado, ora para outro.
Não consigo ter um olhar muito exotizante do Paraguai, porque parte da minha identidade pertence a este país também, assim, acabo não vendo muitas das diferenças culturais que um brasileiro "puro" talvez veria.
Talvez o calor exacerbado é um dos primeiros fatores que chamariam a atenção do paulistano, ainda que ele viesse de Ribeirão Preto. No dia em que cheguei, fazia um calor que não sentia há muito tempo.

O segundo ponto são os pernilongos. É preciso dormir de mosqueteiro, senão você é engolido pelos bichinhos. Na minha primeira noite, esqueci do repelente e do mosqueteiro, e pra piorar, deixei a janela do
meu quarto aberta. Resultado: amanhaci inchado pelas picadas. Mas essa não é a primeira vez que me acontece e nem me incomoda tanto o fato. Minha mãe conta que quando eu era bebê, uma vez movi o véu do berço e fui devorado pelos mosquitos.
Vacinado de pernilongos já estou!
O terceiro ponto chamativo, e este devo confessar que também estranho muito, é a paisagem do país. O terreno é completamente plano e a vegetação, se não estou enganado, parece ser Mata Atlântica. No meio dela, não há uma paisagem urbana. Com exceção de algumas cidades, o Paraguai é extremamente rural. Diria até que as cidades têm um aspecto peculiar de sujeira. Há muita poeira. E muitos municípios seque são asfaltados. Falta infraestrutura básica. Não há saneamento. Este é o cenário oposto daquele que eu gosto, conforme descrevia no princípio deste relato.
As estradas são bem conservadas, no entanto. O país é cortado por grandes rodovias, que, por sinal, comunicam muito bem todas as regiões. Quase não há pedágios. E em algumas rodovias quase não há movimento também.
Quando o ônibus pára em algum ponto, logo ele é abarratado por vendedores ambulantes, quer no interior do veículo quer do lado de fora dele. Se você olhar pelo vidro, seguramente vai ser alvo de algum vendedor afoito por fazer você comprar. O que ele vendem são geralmente alimentos. Comida típica paraguaia: empanada, chipa. Também vendem biscoitos e bolachas, refrigerantes, água e chicletes. Está tudo à mão, por um preço muito baixo.
A população é bastante pobre. E nisso também há muita diferença com o Brasil. Diferença na quantidade. Parece que todo mundo é pedinte, parece que todo mundo é vendedor de semáforo.
Vejo muita gente usando roupa velha e rasgada. E isso não é vergonha por aqui, é praticamente a regra. Use sua roupa até ela acabar.

E então tenho que falar um pouco do cenário urbano: as cidades parecem que pararam no tempo. O design das lojas, as fachadas e a arquitetura parecem ser bem antigas. Em geral, os letreiros das lojas são feitos de latão, o que confere um ar de ferrugem aos lugares. Os paraguaios não economizam nos anúncios, a poluição visual é tremenda. É o lado feio e sem glamour do capitalismo. À mercê do sistema e com a barriga vazia, a solução é vender qualquer coisa em qualquer lugar.



Penso seriamente como um brasileiro reageria nma situação dessa. A biagem da capital até Concepción, município localizado no centro norte do país, levou 10 horas. O ônibus que tomei estava num estado extremamente precário. Prefiro não reclamar e nem descrever. Só devo mencionar um episódio da viagem que serve para reforçar o caráter amistoso dos paraguaios. Lá pelas tantas, o pneu do veículo explodiu, no meio de uma rodovia deserta. Mas em menos de meia hora estava tudo arrumado, graças à ajuda das raras conduções que por ali passavam.


Até agora tenho falado do Paraguaidos pobres, ou seja, do Paraguai de mais de 80% da população. Mas há um outro Paraguai muito diferente: o Paraguai dos ricos. Tive contato com esta gente poucas vezes. Venho de uma família de artistas e ser artista é saber se relacionar, é saber ser filho de mecenas. Na minha primeira noite em Concepción entrei mais uma vez em contato com esta trupe. Participei de uma cerimômia de gala na qual esteve presente o governador do Estado, o Reitor da Universidade, o Embaixador do Brasil, o Cônsul paraguaio no Peru, o vice Cônsul e uma delegação imensa composta de esposas "ingênuas" (para não dizer alienadas) e madames.
Enfim pude saber qual seria minha missão em Concepción: ajudar a fundar um curso de formação em língua portuguesa.
A Universidade Nacional de Concepción é composta de quatro a cinco casinhas, muito longe de ser qualquer das universidades brasileiras. A história do lugar é muito interessante (ela existe há menos de quatro anos). O terreno era antigo território dos militares!



Fiquei muito contente em saber que havia sido convocado para participar da construção do ambiente.
Toda aquela cerimônia era para marcar a assinatura de um acordo de cooperação entre o governo brasileiro e o estado de Concepción, mas no sentido de que o Brasil forneceria ajuda ao país vizinho. Minha presença era o símbolo da concretização daquele acordo. Cheguei a ter o nome mencionado várias vezes pelas autoridades e fui convocado a discursar para a plateia (fui pego de surpresa). No fundo, sinto muito nojinho dessa postura paternalista do Brasil. Chega a soar como algo de hipocrisia, que não chega a remediar os estragos da Guerra da Tríplice Aliança. Por outro lado, sinto-me encorajado tanto porque estarei participando de um capítulo importante no desenvolvivmento cultural e social desse lugar como também porque senti de perto o calor humano das pessoas ávidas em aprender e em mudar a situação em que se encontram.
Creio que meu sentimento paradoxal aos poucos irá se amenizando, porque o embate das correntes é bem propenso para um lado. já que se trata de uma luta material contra uma luta humana. O grande problema é que não tenho toda essa maturidade em abrir mão de uma cultura do consumo e da vaidade.
Estou no Paraguai também para me conhecer mais. A falta de amigos e da família, com certeza, vai me proporcionar momentos muito interessantes de reflexão. Acredito que estarei muito mais enfocado nos meus objetivos! Esperemos e veremos!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Discurso de formatura Lingüística (2004-2007)

Revendo e-mails antigos, encontrei entre eles o discurso de formatura escrito por minha amiga Denise. A turma em questão era a minha, a de Lingüística, na época em que "linguística" ainda tinha trema. Espero que resulte interessante essa saborosa mensagem.





Discurso de Formatura – Turma de Lingüística
18/01/2008

Denise Pozzani de Freitas Barbosa

Agradecimento

Boa noite à mesa, aos pais e colegas. Gostaria, primeiramente, de agradecer a meus companheiros de turma, por terem me escolhido para representá-los nesta cerimônia.




Quando, em 2004, iniciou-se esta turma do curso de Lingüística, não era possível imaginar como estaríamos hoje. Afinal, além se sermos estranhos uns aos outros àquela época, nosso curso não nos parecia nada convencional (fato, que, talvez, tenha sido o primeiro de muitos que nos uniram). É verdade também que éramos muito diferentes, pessoas de diferentes idades e lugares, um pouco ou nada experientes na vida acadêmica, experimentando os sabores de novidade que esta universidade nos oferecia de mão cheia.

As primeiras impressões dos colegas hoje parecem remotas; possivelmente, a maioria delas até tenha sido descartada da memória, substituída por tantos outros acontecimentos mais marcantes que nos transformaram neste grupo de amigos que somos hoje, sem implicâncias ou disputas, agradáveis, solidários, e muito bem humorados.

Esses quatros anos se passaram, e foram tantos textos para ler (alguns dos quais se assemelhavam a mensagens cifradas para nós), tantas aulas, trabalhos a entregar, tardes na arcádia ao redor de alguma discussão altamente relevante, aulas de línguas exóticas que alguns se sentiram desafiados a aprender, enfim, tantas atividades em comum (penosas, ou divertidas), que fazer parte desta turma tornou-se uma necessidade diária, mais do que uma parte da rotina.

Longe das obrigações ordinárias, como esquecer as inúmeras “piadinhas de lingüista”, ou aquela camiseta do Chomsky, carinhosamente planejada? Os almoços no IMECC ou no bandejão? (muitos embalados por palestras sobre a interessante mistura do guarani com o espanhol, uma língua chamada de “Jopará”).

Além disso, é forçoso lembrar como muitos de nós, longe ou perto de casa, pudemos sempre contar com os amigos. Afinal, quantas vezes precisamos de uma companhia, um favor, uma carona, um lugar para dormir em Campinas, ou mesmo um empréstimo de livro, quando éramos punidos pelas estranhas multas incrementais da biblioteca.

         E como não falar dos nossos queridos professores, especialmente aqueles que realmente fizeram com que nos sentíssemos especiais. Houve os que nos encantaram com seu conhecimento e dedicação extremosa às ciências da linguagem, os que desenvolveram nosso senso crítico, apesar da nossa teimosia, os que nos orientaram com dedicação e uma boa dose de paciência na iniciação científica, e, ainda, aqueles que somente com sua simplicidade e espontaneidade ganharam nossa admiração.

Durante esses quatro anos, também é visível como desenvolvemos preferências diferentes por áreas e teorias e criamos vínculos e admirações diversas... enfim, amadurecemos, como era de se esperar. Mas, como estreantes que somos, digamos que, até aqui, conseguimos pelo menos atenuar nossa ignorância.

Daqui para a frente, o que nos espera é um caminho individual. Chegado o fim, o que vamos fazer, o que seremos, se vamos ser “profissionais de destaque”, ainda não pensamos realmente sobre isso... Infelizmente, e digo isso especialmente aos pais, descobrir uma língua, um fonema ainda não registrado ou um sistema morfológico complexo não é como descobrir petróleo.

Deixemos, contudo, em suspense por um tempo esta reflexão, não pensemos sobre isso hoje, pois, no final, saberemos o que fazer se encararmos o fim deste curso também como o começo de outras possibilidades. Mas não nos esqueçamos como foi prazeroso pertencer a este grupo e a este instituto por um tempo.

Hoje a certeza, o conforto que esta turma pode manifestar a todos que aqui estão é que chegamos ao fim do curso, e por um motivo certo: estudamos muito (!), nos apaixonamos pela área, e certamente estamos imensamente orgulhosos por receber hoje o título de lingüistas, que somos. 

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Regressar

Uma vez eu disse que minha vida paralela no Brasil havia morrido. Pois bem, retornei de viagem e quis ressucitá-la: ledo engano.
Minha vida antiga campineira está mais morta do que nunca. O que mais me incomoda é que ela já fede a podridão. As figuras do passado já se enrugaram, os amigos antigos já reencarnaram. A casa se decompôs no meio de tanta poeira.
Sinto que meu coração está querendo enferrujar-se. É muito difícil não se deixar abater diante da imagem da destruição. Brevemente alçarei asas de novo. No entanto é sufocante notar que o palco de tantos momentos de alegria está completamente em ruínas.
Será que consigo aproveitar algo dessa vida pré-viagem? Ou será que se trata de uma oportunidade para começar tudo outra vez?
Acho que só o estado de decomposição ficou. Nada se aproveita, só os antigos vícios. Só a má fama se mantém. Não há como edificar vida nova num nicho tão repleto de negro, lama e solidão.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Memorial

Ando sem inspiração e com muita preguiça de escritura.
Para não deixar o blog abandonado, vou postar um texto de uma amiga.
É um memorial... Nele minha amiga relata como foi passar num vestibular e estudar na universidade pública, depois de ter sido uma aluna, no Ensino Médio, vítima do ensino básico público e brasileiro.

Com vocês:

Memorial - Ensino Fundamental e Médio


Minha vida escolar iniciou em 1990 quando ingressei na pré-escola, na cidade de Hortolândia. O mais interessante sobre a minha pré-escola é que as aulas não eram ministradas em nenhuma instituição de ensino, nem pública, nem particular. Era na própria casa da professora. Eu não sei dizer ao certo se ela cobrava alguma coisa ou não, mas tenho convicção que não, pois imagino que minha mãe na época não teria condições de pagar para eu estudar.

Lembro-me também das outras crianças, que eram tão necessitadas quanto eu, por isso acredito que eu não era um tipo de bolsista ou algo assim. Penso que essa professora era uma espécie de voluntária.

A sala de aula era composta de duas mesas compridas, a lousa em uma das paredes e nas outras os desenhos e trabalhinhos que nós fazíamos.

Quando entrei na pré-escola, eu já sabia ler e escrever um pouco porque meus irmãos me ensinavam, e na pré-escola fui de fato alfabetizada. A professora utilizava a mesma cartilha que usei novamente na primeira série, a cartilha do Tito, porém a cor do cabelo do Tito mudou de um ano a outro de preto para loiro.

Em 1991 iniciei a primeira série na E.E.P.G. “Maristela Carolina Melin”, já alfabetizada. As primeiras e segundas séries eram chamadas de “CB’s” e a letra correspondente à turma tinha uma relação com a qualidade da mesma, por exemplo: “CBA” melhor/mais forte que “CBB”, que é melhor/mais forte que “CBC”. Tanto na primeira quanto na segunda série.

Não me recordo ao certo se usei a cartilha só na primeira série ou na segunda também. Mas lembro que só na terceira série é que ganhei os livros de Ciências e Estudos Sociais (apesar de praticamente não usá-los). Foi a partir da terceira série também que pude começar a escrever com caneta no caderno. Até então só lápis era permitido.

Até a quarta série a turma tinha uma única professora, inclusive para as aulas de Educação Física, que para nós nada mais era do que um recreio bem grande.

Nesse período (de 1.ª a 4.ª série) praticamente não tinha lição de casa. Quando tinha era pouca e dava pra fazer na escola mesmo, ao terminar a lição dada da sala.

Na quinta série as coisas mudaram um pouco por causa do número de professores e das matérias novas, História, Geografia, Ciências. Essas matérias eram praticamente desconhecidas para nós. E até mesmo Português e Matemática passou a ser bem diferente. O que continuava mais ou menos igual eram as aulas de Educação Artística. A diferença era que agora nós fazíamos coisas mais elaboradas, aprendíamos sobre as cores... Porque até então tinham sido quatro anos de muito recorte e colagem, desenhos, pinturas com lápis de cor e giz de cera. Eu acho que só na quarta é que aprendemos a tabuada e a dividir.

A única coisa que não mudara nada era a aula de Educação Física, que exceto pelo novo professor, para nós continuava a ser um recreio bem grande.

Na sétima série passei a não freqüentar mais as aulas de Educação Física porque comecei a trabalhar. Trabalhava de dia e estudava à noite. Hoje eu mesmo me surpreendo só de imaginar que na sétima série, com menos de 13 anos, eu já estudava a noite. Hoje eu acredito que nem exista mais escola que ofereça turmas de sétima série no noturno.

Na quinta e na sexta série me lembro de ter de vez em quando trabalhos para fazer em casa que nós tirávamos dos próprios livros didáticos, e de ter participado de uma mini feira de ciências.

A partir da sétima série eu nunca mais fiz nenhum trabalho ou atividade extra-classe. Nem mesmo no ano seguinte, na oitava série, quando no segundo bimestre, mudei de escola e voltei a estudar à tarde até o fim daquele ano.

Um detalhe importante: até então, desde a primeira série, eu tinha estudado na mesma escola e tive praticamente os mesmos professores de 5.ª ao começo da 8.ª série. Às vezes um mesmo professor dava aulas de matérias completamente diferentes de uma ano para outro. Por exemplo, a minha professora de Ciências na quinta se tornou minha professora de Português na sexta. O professor de Matemática foi também de Ciências e Educação Física (em séries diferentes). Ou ainda a mesma professora ministrando duas disciplinas no mesmo ano, como Português e Inglês.

Em 1998, no início da oitava série, fui morar por uns meses na Vila União em Campinas. Passei a estudar em um CAIC, era o CAIC “Prof.º Zeferino Vaz”. Se eu não me engano os CAIC’s são administrados pelo município, apesar de existirem em várias cidades.

Apesar de estranhar os professores, eu gostava da escola nova pois a julgava melhor do que a antiga, porque tinha não só uma estrutura melhor (quadras diferentes, uma delas coberta, biblioteca, sala de computador), como as aulas tinham um conteúdo mais aprofundado. Lembro de ter tido uma queda nas notas e de ter tirado minha primeira nota vermelha.

A Educação Física também era bem diferente, nós praticávamos cada bimestre um esporte, e uma coisa que me marcou muito foi a realização de uma gincana esportiva feita com a escola toda dividida em equipes, e cada equipe continha participantes de todas as séries (de 5.ª a 8.ª). A minha equipe ficou em último lugar, mas me orgulho em citar que ganhamos no futebol, já que eu era goleira do time!

Na verdade eu preferia ser goleira porque não tinha que correr muito e em geral eu tinha ido mal durante o ano todo em Educação Física. Para mim, praticar algum esporte era algo absolutamente novo, e que eu não consegui me adaptar muito bem.


No primeiro colegial, em 1999, voltei para Hortolândia (para a mesma casa em que havia morado desde a pré-escola, e na qual moro até hoje) para uma escola diferente, mas com a mesma “turma”, porque o “Maristela” era uma escola de 1.ª a 8.ª e por isso era comum os alunos que saíam de lá irem para o “Everest”, como era conhecida a E.E. “Prof.ª Hedy Madalena Bocchi”, já sem o “PSG”.

Essa escola nova (com rostos já conhecidos) era considerada uma das melhores escolas públicas de Hortolândia em termos de estrutura. Era bem grande (os primeiros anos iam até a turma I e os terceiros, até H), tinha biblioteca e sala de computadores, porém ficavam trancados (inclusive a biblioteca).

Nos três anos em que estudei lá, só entrei na sala de computador uma vez no terceiro ano para fazer uma reunião de formatura.

Só era permitido pegar na biblioteca o livro que a professora de Português indicasse (quando ela indicava!) e era sempre a inspetora que pegava. Nós não tínhamos acesso às prateleiras.

Nenhum conteúdo, de nenhuma matéria, era bem explorado. Eram no máximo apresentados, e o conteúdo das provas era sempre alguma coisa dada para decorar poucos dias antes. Nas exatas as fórmulas eram passadas sem grandes explicações, no fim, Física, Química e Matemática era a mesma coisa: equação de primeiro grau. Era só decorar a fórmula (quando já não vinha na própria prova) e achar o “x”, nunca havia duas incógnitas no mesmo “problema”.

Não tínhamos livros didáticos.

Durante os três anos não fiz sequer uma redação e li dois livros, um deles a meu pedido.

No segundo ano fiquei pela primeira vez de recuperação, mas não era a recuperação como havia na época do ensino fundamental. Era a famosa recuperação de janeiro. A matéria na qual eu teria reprovado era História (reprovada por falta, porque por nota era praticamente impossível reprovar), mas passei janeiro inteiro relembrando a época do ensino básico, fazendo recorte e colagem e montando painéis sobre assuntos diversos.

Os professores, de maneira geral, não tinham comprometimento nenhum com as aulas, com os conteúdos, muito menos com os alunos. No primeiro colegial tive 5 professores de Física, e era comum a troca de professores na disciplina durante o ano letivo.

Sem contar os professores substitutos que passaram a ser figuras de presença constante e que eram na verdade “babás” e não passavam conteúdo algum.

O tema “ensino superior” nunca fora mencionado, a não ser em uma ocasião em que a Universidade Paulista – UNIP, passou distribuindo inscrições gratuitas para seu vestibular. Teve até mesmo um caso de uma colega de turma que preencheu a tal inscrição (na própria escola), mas não foi fazer a prova, e mesmo assim recebeu uma cartinha parabenizando-a por ter sido aprovada no vestibular.

Eu não me interessei em preencher, já que não teria condições financeiras para pagar a faculdade.

Quando “terminei meus estudos” (essa era a idéia geral de quem se formava no ensino médio), estava na verdade triste porque eu sonhava eu fazer uma faculdade, em “ser alguém na vida”. Porém o meu salário era bem distante do necessário para se pagar uma faculdade.

Nessa época eu trabalhava em uma escola de informática próxima a um cursinho pré-vestibular (que na época eu não sabia ao certo do que se tratava). Certo dia, ao passar em frente como de costume, notei uma faixa que dizia “inscrições abertas”. Como sempre fui interessada em fazer cursos (na esperança de ter um emprego melhor), entrei para perguntar do que se tratava aquele curso, e lá a recepcionista me explicou que se eu fizesse aquele curso e me dedicasse bastante eu poderia entrar em uma universidade pública e não teria que pagar para fazer faculdade. Foi nesse dia que descobri que a Unicamp não era um Hospital.

Consegui bolsa no cursinho (era um cursinho alternativo) e comecei a estudar. Lá eu aprendi todas as coisas que eu nunca tinha ouvido falar no ensino médio. No meu caso (e acredito que no de todos que estudaram em escola pública) o cursinho estava bem longe de ser só uma revisão. Lá eu vi pela primeira vez conteúdos simples como "velocidade é igual a delta esse sobre delta te".

No primeiro ano de cursinho, além de aprender os conteúdos do ensino médio, aprendi também sobre as instituições e os cursos, o que me permitiu escolher não só um curso (diferente de administração!), mas a própria instituição.

Nesse ano eu passei apenas a primeira fase dos vestibulares da USP e da Unicamp, o que pra mim já foi uma grande vitória e motivo de muito orgulho para a minha família (que passou também a entender melhor essa diferença universidade pública/privada).

No ano seguinte cursei novamente o cursinho e consegui passar nas duas Universidades, porém na Unicamp fiquei em 20.º lugar na lista de espera o que não me deu esperanças de que iria ser chamada, já que o curso de Letras tinha apenas 30 vagas.

No entanto fui chamada ainda no primeiro dia de matrículas (1.ª chamada tarde), o que pra mim foi uma alegria muito grande, e a sensação que eu tive foi a de que o fim tinha chegado, meu objetivo tinha sido conquistado.

Hoje eu sei que na verdade aquele era só início de uma longa estrada.