domingo, 4 de dezembro de 2011

Desistir?

É muito difícil encontrar companhia…  à medida que o tempo vai passando,o crivo vai se estreitando, porque agora já não me sacio com as frivolidades juvenis. Preciso de sal: muitos são os corpos salgados, poucas são as mentes. O tempo avança e me distancio. Minhas projeções são cada vez mais intensas, porque já é raro encontrar uma paixão percuciente.
Mas as projeções passam, as situações me fazem cair na real.
E depois, tudo fica claro.
Desistir é mais complicado ainda, porque o curso dos livres-arbítrios pode jamais se entrelaçar, apesar de tantas semelhanças. Mais uma vez, os fatídicos azares da vida podem afastar para muito distante, talvez para o mar do esquecimento, a companhia que lhe supre (física e mentalmente).
Um “sim”, hoje, repercutirá em todo um trajeto, longo, muito longo.... que talvez um “não” pudesse abreviar sepulturalmente.
Eis um jogo de escolhas complexo como o de encontrar companhia e como o de desistir delas.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Oração da liberdade


Oh, coisa divina a que alguns chamam Deus, e a que eu prefiro chamar mente, fazei-me resistir aos desejos que não são meus. Fazei-me resistir a essa força que é anterior a mim e que permanecerá inabalável posterior à minha existência. Ajudai-me não só a entender os caminhos que me subjetivam, mas também a discernir quais deles são correntes da coerção das massas e quais são as vontades do meu eu latente. Dai-me força para viver de acordo com a liberdade. E que a minha felicidade esteja dentro e não fora. Elevai meu espírito ao mais alto dos objetivos humanos de modo que todos os sofrimentos se tornem os mais espúrios. Afastai-me da mesquinhez, livrai-me da vontade de propriedade. Iluminai meu coração para que eu entenda que nada me pertence. Daí-me serenidade e mais nada para que possa compreender, relativizar e amar sempre.
Que seja desse jeito.

terça-feira, 28 de junho de 2011

O problema é o feminino

O machismo está aí batendo em nossas casas há muitos séculos. A adoração ao masculino não é uma invenção da nossa sociedade e nem se originou no nosso tempo. É difícil precisar como se deu a primeira manifestação machista. Há os que digam que essa forma de poder existe desde que o homem das cavernas começou a puxar a mulher pelos cabelos. Mas não importa. O machismo é algo cultural, isso quer dizer que ele foi criado pelo homem, ainda que a retrógrada psicologia evolucionista apregoe que se trata da própria biologia humana. Por ser algo cultural, ele funciona como um efeito catraca: o homem o aprendeu em alguma etapa de sua filogênese e o foi aperfeiçoando (se é que podemos dizer que o machismo é algo perfeito). Da Grécia Antiga, da qual legamos muito da cultura, podemos ler tragédias e comédias de autores muito influentes que menosprezam a mulher, que a inferiorizam. A misoginia, cujo próprio termo é grego, é o ódio pelo feminino.


Com o passar do tempo, o machismo vai sendo transmitido culturalmente para as novas gerações e vai se modificando.

A análise que faço do machismo hoje no Brasil, e talvez na América latina, é de que ele é um tipo de misoginia. O machismo nosso hoje é uma aversão pelo feminino. Odiamos o feminino na medida em que exaltamos o masculino. Aprendemos que ser masculino é mais importante que ser feminino. Ser masculino é prestigioso. Também criamos toda uma concepção do que é ser feminino. Ser feminino é ser sentimental, é ser frágil, é ser sensível, entre muitas outras coisas. Portanto, ser feminino não é apenas possuir uma vagina. Mas quem possui uma vagina sofre em dobro, porque se espera dessas pessoas um comportamento feminino.

Essa forma de machismo se manifesta por todos os lados e inclusive dentro dos movimentos de minorias. A lesbofobia, que é a aversão por lésbicas, é um exemplo desses. Muitos gays (do sexo masculino) têm horror a lésbicas. Mas essa fobia é por causa do elemento “feminino” advinto do estereótipo daquela que possui uma vagina. No fundo, o lesbofóbico é misógino, porque tem horror ao feminino.

O gay afeminado também vai sofrer desse preconceito dentro do próprio coletivo do qual faz parte, porque os gays não afeminados estão inseridos nessa lógica do machismo. Quase todo mundo odeia o feminino.

Muitos queimarão as bandeiras cor-de-rosa. Por quê? Porque o rosa representa o... feminino.

Mas o engraçado disso tudo é que os gays percebem que eles são oprimidos pela sociedade heteronormativa. Os gays percebem que o machismo os oprime. Mas eles não percebem que até eles mesmo são opressores quando lhes toca. O machismo só é percebido quando se infringe uma norma heterossexual: a de que homens se relacionam com mulheres. Contudo, o machismo não é percebido quando ele infringe uma conduta homonormativa: o de que gays devem ser masculinos.

Os gays percebem como lhes pesa uma macrofísica do poder, mas não percebem que eles instauram uma microfísica desse mesmo poder.

Recentemente saiu um vídeo chamado “Não gosto de meninos”. Eu, particularmente, não gostei muito dele, porque apesar de ser muito instrutivo, e por isso tem uma mensagem vendável, ele demonstra essa microfísica do poder. Lá pelas tantas, um dos entrevistados diz: eu achava que ser gay era ter uma postura assim (e nesse “assim”, você entende “ser bixinha”). Sabe, tudo bem de você não gostar de comportamentos afeminados. Mas, por favor, não me venha recriminar o “feminino”.

Exatamente pelo ódio ao feminino ser uma tradição e exatamente por ser um construto social, é que podemos combater esse tipo de preconceito. Não odeie as travestis, não odeie as transexuais ou os transgêneros. Acredito que essas categorias, umas que transitam outras que transgridem as fronteiras entre o masculino e o feminino, deveriam ser as mais prestigiadas dentro da cultura gay. Porque, na maior das instâncias, são elas que derrubam e desfazem as hierarquias entre masculino e feminino e permitem que você, gay masculino, não tenha medo do armário. Por outro lado, não adianta você sair do armário, se você carrega um guarda-roupas de preconceito contra o feminino.

Quando a gente começar a vencer essas barreiras dentro do grupo é, então, que poderemos falar de combate PLENO ao machismo. Reage, galera, machismo é violência.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Meu nome fala

Alguns defendem que os nomes revelam muito sobre as coisas a que eles rotulam. Outros, contudo, são da opinião de que o nome é arbitrário a coisa. Eis uma polêmica antiga, antiga como o diálogo de Crátilo, escrito por Platão.
Realmente sabemos que há muita arbitrariedade no nome das coisas. Por que “cadeira” se chama “cadeira” em português e “silla” em espanhol? Se houvesse um motivo para as coisas se chamarem como elas se chamam, então, não haveria línguas variadas e uma língua mesma não teria variações.
Meu nome, por exemplo, não guarda nenhuma essência, uma característica própria, uma dieguice, que me faz chamar assim. Talvez o sobrenome sim, porque já vem caracterizando todos os meus ancestrais e, no mínimo, diz sobre minha genética. Já foi carregado de semântica histórica.
No entanto, coincidentemente, meu nome consegue falar muito sobre mim. Se o analisarmos cuidadosamente, veremos que a arbitrariedade cedeu passo a uma motivação. No meu caso, pura coincidência? Não, prefiro considerá-la como uma apropriação!
Vamos começar pelos sobrenomes:
Ramirez, este vem marcar minha ascendência hispânica, alguma vez perdida na colonização americana. Acreditamos sempre que somos filhos de quem somos. Cremos que o nome é a nossa origem.
Ledo engano!
Quantos outros sobrenomes não tiveram de ser apagados para que Ramirez vigorasse? Quantas mulheres índias ou brancas silenciaram a transmissão de seus sobrenomes?
Ramirez, por exemplo, pertence ao padrasto do meu pai. Desavenças familiares fizeram com que os Forcados, os meus geneticamente aparentados, não legassem seu rótulo à geração seguinte. O nome do homem deixou de ser transmitido ao meu pai. Menos machismo? Pelo contrário, mais machismo cultural: o pai não assume sua cria e outro homem nomeia a cria da desamparada.
Ramirez, porém, é um nome que, embora não fale da minha genética, conta a história da minha família. Faz parte da minha identidade e me faz ser paraguaio. Ramirez, no espanhol paraguaio, é tão frequente quanto aos Silva, no português brasileiro. É um nome que representa o que há de mais comum no povo paraguaio. De certo, é revelador quanto ao meu processo identitário.
Agora vamos a Jiquilin. Realmente Jiquilin é o meu sobrenome. Não se trata de apelido, embora muitos pensem assim. Também não é um nome indígena e nem é paraguaio. Jiquilin é o que eu considero um verdadeiro nome brasileiro. Criado aqui, fruto de miscigenações, cuja história obscura tento decifrar.
Conta-se que Jiquilin é um nome italiano. Meus avós inclusive costumavam dizer que é um nome oriundo da Calábria. Tenho minhas dúvidas. A terminação “in” é freqüente nos sobrenomes franceses. O professor Ilari uma vez me disse que na época da chegada dos italianos, ou seja, na época da enorme recessão europeia, era comum que muitos franceses migrassem à Itália e de lá viessem ao Brasil.
Também não sei se Jiquilin tem algo de francês. Sei que com minha intuição linguística posso tentar reconstituir esse nome.
A começar pela confusão entre fala e escrita.
Suponhamos que o acento ainda seja oxítono, então podemos defender que a vogal “i” da sílaba tônica tivesse sido no passado um “i” mesmo.
Mas, os outros dois “i”s poderiam ter se originado de um “e”. Vocês se lembram que em quase todo o Brasil, pronunciamos como “i” quase todos os “e”s postônicos e alguns pretônicos? Tenho certeza de que o escrivão, o que primeiro cometeu esse lapso, muito provavelmente deixou-se guiar pela pronúncia já abrasileirada do sobrenome.
Então, já temos no mínimo alguns candidatos: Jiquilin, Jequelin, Jequilin, Jiquelin.
Quanto à escrita, há de considerar-se que a letra “j” não existe em italiano (existe sua irmã “g”, atualmente pronunciada como uma africada), isso tudo se o sobrenome for italiano.  Se assim for, o “qu” do português tem de dar lugar ao “ch” italiano. Assim, as possibilidades escritas para o nome remoto seriam: Gichilin, Gechelin, Gechilin ou Gichelin.
Também devo considerar que o contexto de final de palavra propicia em muito as erosões fonéticas. E, então, por que não considerar a existência de mais uma sílaba, cujo núcleo é preenchido por um “i”? Soaria mais italiano, no mínimo. Agora, as possibilidades do sobrenome ancestral se duplicariam: Gichilin, Gechelin, Gechilin, Gichelin, ou ainda, Gichilinni, Gechelinni, Gechilinni, Gichelinni.
O santo Google aponta a existência de algumas dessas formas, mas eu prefiro não conhecer esse passado. É uma história que pouco importa para a formação do meu sujeito. Atualmente, os Jiquilin somos bem poucos, muito raros, em vias de extinção. Só há minha família, de 4 ou 5 ramos, cujas portadoras do nome são majoritariamente mulheres da geração da minha avó e da minha mãe, as quais não transmitirão o sobrenome para seus filhos, ou, quando passado aos filhos, estão fadados ao sepultamento, já que não figuram como o nome mais importante. O do macho é o mais importante.
Gosto de ser raro. Gosto também da confusão que as pessoas fazem com o meu lado paraguaio. Há uma palavra em espanhol que muito se parece com Jiquilin, é “Chiquilín”, traduzido ao português como “pequenino”. Somente comigo essa brincadeira funciona, já que sou o único Jiquilin nativamente (o que quer que seja o significado de “nativo”) hispano-falante. Dessa vez, o Hermógenes, aquele personagem do Platão, teria razão: sou um pequenino e meu nome fala isso sobre mim.
Atenção, o mais interessante é que o meu primeiro nome conta muito sobre mim. Sou Diego. O dono de dois egos. Di-ego.
Acho que não teria nome melhor que pudesse deixar tão evidente essa minha identidade que se faz no interstício de dois mundos.
Sou geminiano, o signo das duas faces. Talvez uma para cada mundo. Sou binacional, uma para cada ego. Sou bilíngüe, uma para cada eu. Realmente devo reconhecer que guardo dentro de mim dois pólos.
No entanto, mais do que estes pólos, transito continua e ininterruptamente entre eles. A minha identidade é essa: a da inquietude, a da infinito-culturalidade. Entre 0 e 1, há um mar infinito de possibilidades.
Com tudo isso, não defendo a não arbitrariedade do signo. Demonstro como tenho a felicidade de que meu nome fale sobre mim. De como o tempo faz a gente dar significados para os signos. Sou único. Meu nome é único. E a minha história é a que eu quero lembrar!