quinta-feira, 5 de novembro de 2020

O pão do diabo amassado

 Querido diário amassado e esquecido ao longo dos anos, só recorrendo a você para expurgar na escrita algo que nem eu sei como se explica.

Eu esqueci como se escreve. Vivi muitas histórias e fiz milhões de reflexões. Mas de lá para cá, o mundo mudou. Me perdi em outras tecnologias. Esqueci de você: papel e caneta. Amigos que sempre me acalmaram e me alegraram em todos os momentos.

O resumo da ópera é que me assentei. Me casei e descasei algumas vezes. Mas nunca pude imaginar que fosse passar por duas situações. 

1) Cuspir no prato que se come. Jamais imaginei que um dia eu seria o prato cuspido de alguém. Preciso resolver essas mágoas. Esquecer, quem sabe, porque não sou de vinganças. Nem acredito que "aqui se faz aqui se paga". Você pega na mão, ensina a caminhar quem nunca deu um passo adiante sozinho e depois, a outra pessoa abre uma disputa e corre na sua frente. Você fica para trás. Esquecida e humilhada. A lição que fica é: dedique-se a você mesmo, Jaque. Somente a você. Não se distraia nunca mais com relacionamentos, porque eles sempre acabam e o tempo não volta. O vigor para correr atrás dos sonhos fica abalado. E para se curar dessas coisas leva muito tempo e doi bastante. 

2) Empoderamento não é para sempre. Justo eu que namorei tantas vezes, ao menos umas 10, e que nunca tive dificuldade para chegar juntos. Estou há anos com uma tremenda dificuldade em declarar os meus sentimentos a quem me atrae. Sou incapaz de tomar atitudes no campo afetivo. Já conheci gente muito interessante, muito mais interessante do que todos que já conheci. Mas finjo demência. Não falo nada, embora morra de vontade de me aproximar. Tenho medo de dar nome às coisas, porque, afinal, elas passariam a existir outra vez. Só fico a espera. Mas nada acontece tampouco. Estou numa fase em que as escolhas que fiz para o meu corpo me fazem me sentir fora do padrão e com isso menos atraente. Exalo insegurança. E fico esperando. Sobro até no dark room. Estou aprendendo a lidar com um tipo de solidão que nunca senti. Pra quem já foi viciada em relacionamentos, pode ser bom. Não é ruim. Talvez seja o foco que preciso para executar os planos do tópico anterior. Consigo sentir toda a minha potência artística e, pela primeira vez, sinto que estou no controle sobre o que sou capaz de realizar com a minha arte. O preço é estar sozinha. Encontrar alguém na mesma vibe talvez seja só uma questão de sorte, daquelas que só se encontra uma vez na vida. O trem da sorte já passou por minha vida algumas vezes, mas acho que montei no vagão errado. Então seria apenas uma meia-sorte. É difícil lidar com esta sensação de incompleto, mas estou aprendo. Quem sabe um dia ainda chegue lá.

Passou. Consegui um pouco de paz. Voltar ao diário pessoal sempre ajuda na catarse. <3