segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Identidades

Em 2014 faz 10 anos que sai da casa da família, sai da cidadezinha e fui morar só, num lugar muito distante de onde me criei. Antes disso, eu já tinha morado fora da casa da minha mãe, mas era diferente, porque ainda estava na tutela de parentes. Então, digamos por assim dizer que, no ano que vem eu comemoro 10 anos da minha completa emancipação.
Quero fazer uma reflexão sobre o fluxo das minhas identidades ao longo desse tempo.
Lembro de ter sido uma criança e um adolescente bastante protocolar: bom aluno e bom menino. Apesar de ser diferente e ter sentido a angústia típica da idade, posso dizer que não tenho consciência de ter sofrido bulliyng. Às vezes, eu penso que a minha vontade de inclusão, a vontade de estar incluído na classe supremacista era tamanha que isso me cegava para as possíveis opressões adolescentes. Naquela época, eu nem sabia o que significava opressão. Eu gostava de me identificar como o garoto exemplar, aquele que agrada a todos, embora não tivesse a mínima consciência sobre esta identidade.
Como a identidade não depende só da gente, mas também do outro, os outros me identificavam, já no colegial, como um nerd. Realmente, eu quase não saia de casa e gostava muito de estudar e isso foi o suficiente para me render o título. Mas, antes, outras identidades também me constituíam. Algumas eram herdadas, já que meu pai era músico e estrangeiro, acabei crescendo acreditando naquela baboseira de que meu irmão e eu tínhamos o dom para a música. Cresci me identificando como dotado para esse dom. Como tinha a pele morena e o cabelo liso e preto, também me taxaram de índio, de filho de índio, mesmo meu pai não sendo indígena. Meu pai já era um mestiço. Por parte de mãe, eu herdei o sobrenome marcado. Sabe como é cidade pequena de interior: já se nasce com uma estrela na testa. Eu era o primogênito dos Jiquilin, significasse o que isso significasse. Até então, minha sexualidade não era parte significativa da minha identidade. Também não tinha consciência de nada disso, eu apenas reproduzia o padrão, com todo o recalcamento necessário para ser um deles.


Em 2004, quando deixei pra trás tudo isso, abandonei também todas essas identidades. Mas a coisa também não foi um oba-oba. Não fechei uma porta e sai correndo e gritando do outro lado: _ Liberdade, liberdade, agora sou o que quero ser.
A maturidade fez parte desses anos. Cheguei como um ser acuado e perdido. E a consciência das coisas foi se despertando aos poucos. Foi uma transição bastante lenta na minha vida. O ranço das identidades passadas foi bom em alguns sentidos: continuei sendo um bom menino protocolar e com isso me graduei no tempo certo, tirei boas notas, viajei, enfim, colhi os frutos que a meritocracia queria me dar. Mas foi só isso.
Por outro lado, eu já não era mais índio e nem músico. Para alguns professores, assuntos relativos à música não eram endereçados mais a mim. Eu tinha me tornado paraguaio: virei um especialista em guarani, mesmo não sendo nativo nessa língua. Aproveitei a onda e estudei bastante essa língua.
Longe de parentes, longe de expectativas dos íntimos e dos outros, questionar a sexualidade foi se tornando algo comum. Cada vez mais fui tornando isso mais evidente em mim, até eu chegar num ponto em que questionar o status quo se tornou a coisa mais importante do meu desenvolvimento intelectual.
Nesses 10 anos percebo como a relação das identidades atribuídas determina os passos futuros. Acho que é mais ou menos assim que consigo me mover numa briga constante entre o que me assujeita e o meu lugar de autoria da vida. Como reproduzir e mover? Como se auto conduzir e deixar de ser uma enxurrada?

Tenho engatilhado novas identidades, pontos de ancoragem, sobre as quais pretendo voltar daqui 10 anos e notar como frutificaram.