sexta-feira, 12 de novembro de 2010

primeiras impressões Paraguai (nem tão primeiras)




Sou invadido por um sentimento muito paradoxal, quando venho ao Paraguai. Gosto muito da cultura cosmopolita, da sofisticação, do requinte, e o Paraguai é um país em que raramente estas características ocorrem. A capital Assunção pode até oferecer uma centelha disso, mas nada se compara ao mundo moderno das capitais europeias ou mesmo da grande São Paulo. E, então, penso se consigo ficar longe dessa cultura, com a qual fui me acostumando ao longo dos últimos anos.
Por outro lado, no Paraguai, tenho certeza de que posso encontrar das pessoas mais amáveis e doces por aí nesse mundo.
Desse jeito, vejo minha cultura posta em xeque. Sinto-me como o filho interiorano que cresceu e se mandou para a capital. Ao mesmo tempo que me dá vontade de ir embora viver a cidade grande e mergulhar a fundo no ambiente jovem da universidade brasileira, tenho também a imensa vontade de permanecer mais tempo, sentir todo o carinho que os paraguaios dispendem a mim.
Penso se já não é hora de retribuir à sociedade o conhecimento que dura e afavelmente adquiri. Na verdade, vejo esta oportunidade de ser leitor como um momento de transição entre minha vida de aluno e a de professor. Sem um limite muito estanque, sempre na sombra da ambiguidade: ora pendendo para um lado, ora para outro.
Não consigo ter um olhar muito exotizante do Paraguai, porque parte da minha identidade pertence a este país também, assim, acabo não vendo muitas das diferenças culturais que um brasileiro "puro" talvez veria.
Talvez o calor exacerbado é um dos primeiros fatores que chamariam a atenção do paulistano, ainda que ele viesse de Ribeirão Preto. No dia em que cheguei, fazia um calor que não sentia há muito tempo.

O segundo ponto são os pernilongos. É preciso dormir de mosqueteiro, senão você é engolido pelos bichinhos. Na minha primeira noite, esqueci do repelente e do mosqueteiro, e pra piorar, deixei a janela do
meu quarto aberta. Resultado: amanhaci inchado pelas picadas. Mas essa não é a primeira vez que me acontece e nem me incomoda tanto o fato. Minha mãe conta que quando eu era bebê, uma vez movi o véu do berço e fui devorado pelos mosquitos.
Vacinado de pernilongos já estou!
O terceiro ponto chamativo, e este devo confessar que também estranho muito, é a paisagem do país. O terreno é completamente plano e a vegetação, se não estou enganado, parece ser Mata Atlântica. No meio dela, não há uma paisagem urbana. Com exceção de algumas cidades, o Paraguai é extremamente rural. Diria até que as cidades têm um aspecto peculiar de sujeira. Há muita poeira. E muitos municípios seque são asfaltados. Falta infraestrutura básica. Não há saneamento. Este é o cenário oposto daquele que eu gosto, conforme descrevia no princípio deste relato.
As estradas são bem conservadas, no entanto. O país é cortado por grandes rodovias, que, por sinal, comunicam muito bem todas as regiões. Quase não há pedágios. E em algumas rodovias quase não há movimento também.
Quando o ônibus pára em algum ponto, logo ele é abarratado por vendedores ambulantes, quer no interior do veículo quer do lado de fora dele. Se você olhar pelo vidro, seguramente vai ser alvo de algum vendedor afoito por fazer você comprar. O que ele vendem são geralmente alimentos. Comida típica paraguaia: empanada, chipa. Também vendem biscoitos e bolachas, refrigerantes, água e chicletes. Está tudo à mão, por um preço muito baixo.
A população é bastante pobre. E nisso também há muita diferença com o Brasil. Diferença na quantidade. Parece que todo mundo é pedinte, parece que todo mundo é vendedor de semáforo.
Vejo muita gente usando roupa velha e rasgada. E isso não é vergonha por aqui, é praticamente a regra. Use sua roupa até ela acabar.

E então tenho que falar um pouco do cenário urbano: as cidades parecem que pararam no tempo. O design das lojas, as fachadas e a arquitetura parecem ser bem antigas. Em geral, os letreiros das lojas são feitos de latão, o que confere um ar de ferrugem aos lugares. Os paraguaios não economizam nos anúncios, a poluição visual é tremenda. É o lado feio e sem glamour do capitalismo. À mercê do sistema e com a barriga vazia, a solução é vender qualquer coisa em qualquer lugar.



Penso seriamente como um brasileiro reageria nma situação dessa. A biagem da capital até Concepción, município localizado no centro norte do país, levou 10 horas. O ônibus que tomei estava num estado extremamente precário. Prefiro não reclamar e nem descrever. Só devo mencionar um episódio da viagem que serve para reforçar o caráter amistoso dos paraguaios. Lá pelas tantas, o pneu do veículo explodiu, no meio de uma rodovia deserta. Mas em menos de meia hora estava tudo arrumado, graças à ajuda das raras conduções que por ali passavam.


Até agora tenho falado do Paraguaidos pobres, ou seja, do Paraguai de mais de 80% da população. Mas há um outro Paraguai muito diferente: o Paraguai dos ricos. Tive contato com esta gente poucas vezes. Venho de uma família de artistas e ser artista é saber se relacionar, é saber ser filho de mecenas. Na minha primeira noite em Concepción entrei mais uma vez em contato com esta trupe. Participei de uma cerimômia de gala na qual esteve presente o governador do Estado, o Reitor da Universidade, o Embaixador do Brasil, o Cônsul paraguaio no Peru, o vice Cônsul e uma delegação imensa composta de esposas "ingênuas" (para não dizer alienadas) e madames.
Enfim pude saber qual seria minha missão em Concepción: ajudar a fundar um curso de formação em língua portuguesa.
A Universidade Nacional de Concepción é composta de quatro a cinco casinhas, muito longe de ser qualquer das universidades brasileiras. A história do lugar é muito interessante (ela existe há menos de quatro anos). O terreno era antigo território dos militares!



Fiquei muito contente em saber que havia sido convocado para participar da construção do ambiente.
Toda aquela cerimônia era para marcar a assinatura de um acordo de cooperação entre o governo brasileiro e o estado de Concepción, mas no sentido de que o Brasil forneceria ajuda ao país vizinho. Minha presença era o símbolo da concretização daquele acordo. Cheguei a ter o nome mencionado várias vezes pelas autoridades e fui convocado a discursar para a plateia (fui pego de surpresa). No fundo, sinto muito nojinho dessa postura paternalista do Brasil. Chega a soar como algo de hipocrisia, que não chega a remediar os estragos da Guerra da Tríplice Aliança. Por outro lado, sinto-me encorajado tanto porque estarei participando de um capítulo importante no desenvolvivmento cultural e social desse lugar como também porque senti de perto o calor humano das pessoas ávidas em aprender e em mudar a situação em que se encontram.
Creio que meu sentimento paradoxal aos poucos irá se amenizando, porque o embate das correntes é bem propenso para um lado. já que se trata de uma luta material contra uma luta humana. O grande problema é que não tenho toda essa maturidade em abrir mão de uma cultura do consumo e da vaidade.
Estou no Paraguai também para me conhecer mais. A falta de amigos e da família, com certeza, vai me proporcionar momentos muito interessantes de reflexão. Acredito que estarei muito mais enfocado nos meus objetivos! Esperemos e veremos!

2 comentários:

  1. Nao entendi muito bem o que voce faz la, mas gostei das suas primeiras impresões. Com o tempo voce vai descobrir os encantos dos paraguaios como pessoas e a sua luta diaria, a pesar das dificuldades principalmente por causa da destruição do pais após a guerra da triplice aliança e a falta de lideranças visionarias que pudessem devolver ao Paraguai o status de potencia sulamericana que teve antes da guerra. Obrigado por estar lá. Abraço

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  2. Bom texto Di!
    Boa sorte na sua jornada!
    Tenho certeza que te proporcionará aprendizagens das mais variadas e enriquecedoras!

    Grande beijo


    DANI AGOSTINHO

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