terça-feira, 28 de junho de 2011

O problema é o feminino

O machismo está aí batendo em nossas casas há muitos séculos. A adoração ao masculino não é uma invenção da nossa sociedade e nem se originou no nosso tempo. É difícil precisar como se deu a primeira manifestação machista. Há os que digam que essa forma de poder existe desde que o homem das cavernas começou a puxar a mulher pelos cabelos. Mas não importa. O machismo é algo cultural, isso quer dizer que ele foi criado pelo homem, ainda que a retrógrada psicologia evolucionista apregoe que se trata da própria biologia humana. Por ser algo cultural, ele funciona como um efeito catraca: o homem o aprendeu em alguma etapa de sua filogênese e o foi aperfeiçoando (se é que podemos dizer que o machismo é algo perfeito). Da Grécia Antiga, da qual legamos muito da cultura, podemos ler tragédias e comédias de autores muito influentes que menosprezam a mulher, que a inferiorizam. A misoginia, cujo próprio termo é grego, é o ódio pelo feminino.


Com o passar do tempo, o machismo vai sendo transmitido culturalmente para as novas gerações e vai se modificando.

A análise que faço do machismo hoje no Brasil, e talvez na América latina, é de que ele é um tipo de misoginia. O machismo nosso hoje é uma aversão pelo feminino. Odiamos o feminino na medida em que exaltamos o masculino. Aprendemos que ser masculino é mais importante que ser feminino. Ser masculino é prestigioso. Também criamos toda uma concepção do que é ser feminino. Ser feminino é ser sentimental, é ser frágil, é ser sensível, entre muitas outras coisas. Portanto, ser feminino não é apenas possuir uma vagina. Mas quem possui uma vagina sofre em dobro, porque se espera dessas pessoas um comportamento feminino.

Essa forma de machismo se manifesta por todos os lados e inclusive dentro dos movimentos de minorias. A lesbofobia, que é a aversão por lésbicas, é um exemplo desses. Muitos gays (do sexo masculino) têm horror a lésbicas. Mas essa fobia é por causa do elemento “feminino” advinto do estereótipo daquela que possui uma vagina. No fundo, o lesbofóbico é misógino, porque tem horror ao feminino.

O gay afeminado também vai sofrer desse preconceito dentro do próprio coletivo do qual faz parte, porque os gays não afeminados estão inseridos nessa lógica do machismo. Quase todo mundo odeia o feminino.

Muitos queimarão as bandeiras cor-de-rosa. Por quê? Porque o rosa representa o... feminino.

Mas o engraçado disso tudo é que os gays percebem que eles são oprimidos pela sociedade heteronormativa. Os gays percebem que o machismo os oprime. Mas eles não percebem que até eles mesmo são opressores quando lhes toca. O machismo só é percebido quando se infringe uma norma heterossexual: a de que homens se relacionam com mulheres. Contudo, o machismo não é percebido quando ele infringe uma conduta homonormativa: o de que gays devem ser masculinos.

Os gays percebem como lhes pesa uma macrofísica do poder, mas não percebem que eles instauram uma microfísica desse mesmo poder.

Recentemente saiu um vídeo chamado “Não gosto de meninos”. Eu, particularmente, não gostei muito dele, porque apesar de ser muito instrutivo, e por isso tem uma mensagem vendável, ele demonstra essa microfísica do poder. Lá pelas tantas, um dos entrevistados diz: eu achava que ser gay era ter uma postura assim (e nesse “assim”, você entende “ser bixinha”). Sabe, tudo bem de você não gostar de comportamentos afeminados. Mas, por favor, não me venha recriminar o “feminino”.

Exatamente pelo ódio ao feminino ser uma tradição e exatamente por ser um construto social, é que podemos combater esse tipo de preconceito. Não odeie as travestis, não odeie as transexuais ou os transgêneros. Acredito que essas categorias, umas que transitam outras que transgridem as fronteiras entre o masculino e o feminino, deveriam ser as mais prestigiadas dentro da cultura gay. Porque, na maior das instâncias, são elas que derrubam e desfazem as hierarquias entre masculino e feminino e permitem que você, gay masculino, não tenha medo do armário. Por outro lado, não adianta você sair do armário, se você carrega um guarda-roupas de preconceito contra o feminino.

Quando a gente começar a vencer essas barreiras dentro do grupo é, então, que poderemos falar de combate PLENO ao machismo. Reage, galera, machismo é violência.

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