Hoje tenho o corpo debilitado, mas a mente muito lúcida. Exatamente por isso escolhi o dia de hoje para escrever os meus agradecimentos. Hoje tenho percepções aguçadas que talvez não teria em dias em que meu corpo se encontrasse em condições para dispersá-las. Também já estive na situação contrária: com o corpo bom, mas a mente insana. O que não resulta nada produtivo para períodos de criação.
Hoje, dia 22 de março de 2010, véspera de aniversário de minha terra natal, Viradouro, tenho o corpo cansado, cansado o suficiente para apenas poder digitar o que o coração manda:
Quando a gente observa o tempo como unidade concreta, acreditamos que as mudanças dentro desse período serão mínimas. Mínimas o bastante para encararmos uma aventura como a mudança de um país e, por conseqüência, de língua, de cultura e quase de religião. Acreditamos que as pessoas não têm livre-arbítrio e que o aqui se manterá intocável com o passo do tempo.
Outra coisa que aprendi com a viagem (sempre aprendo com viagens, mas volto a esquecer quando permaneço por muito tempo em um lugar): tudo muda. Não só as línguas e as sociedades mudam. As mentes e, sobretudo, os corações mudam.
Dos momentos em que o corpo andava bem e o coração não, posso tirar agora os melhores proveitos possíveis. As fraquezas são boas, a psicologia diz que o crescimento, às vezes, advém de um recuo. É a chamada curva em U. E agora me encontro recuperado de um longo processo de escalada, recém saído de um grande vale.
Nesses momentos em que quase deixei a tocha cair, percebi que muitos estavam ali apoiando, outros me erguendo. São estas pessoas que gostaria de agradecer.
Para me livrar de uma vez da parte burocrática (e antes que eu me esqueça), fica desde já registrado meus agradecimentos à Fundação Carolina, ao CSIC, à orientadora da Espanha e aos sujeitos de meu experimento. Sem estes anteparos a pesquisa seria inviável.
Quero aproveitar a oportunidade, a obtenção de um título de magíster, ocasião ritualística em minha carreira acadêmica, para agradecer as pessoas que agora e sempre estiveram por trás do meu processo de formação. Sem elas sim, quaisquer tentativas intelectuais de minha parte seriam impossíveis.
Nesse sentido, são duas as grandes mentes às quais rendo a minha mais honesta homenagem. À minha mãe, Maria Simone Jiquilin, lutadora feroz, que sempre me serviu de exemplo de como se recuperar nos momentos de desespero. A outra é a professora Eleonora, mentora intelectual, que me iluminou não só nas questões acadêmicas – as quais de longe me permitem vislumbrar os fenômenos de maneira racional – mas também no processo de formação do indivíduo – cidadão, engajado e corajoso. Coragem, aliás, é o caráter que une minha mãe e minha mestra.
A tocha, adquirida no berço materno e acesa na academia, prestou em muito para iluminar os novos prados por mim caminhado. Se antes tinha a convicção de que a atividade acadêmica praticada no Lafape, pouco conhecida no cenário internacional da Espanha, é robusta o suficiente para enfrentar os dados do português brasileiro, agora sei que ela se aplica aos dados diacrônicos do espanhol.
Quero também agradecer meu círculo mais íntimo de amigos, os quais pelejaram para que eu não deixasse a peteca cair. E quando ela caiu, foram eles que me fizeram recomeçar o novo jogo. À racionalidade de Denise, velha companheira para os momentos de elucubrações fonéticas. Ao bom-senso da Miriany, muito mais que amiga: família, irmã separada ao nascimento. Foi a My que me reconheceu desde o primeiro momento que nos cruzamos ainda na Unicamp. À Maísa, que com toda sua negritude, acho que ela preferiria pretitude, me mostrou, com muita raça, como se honra uma cor dentro de uma comunidade tão elitista. À Carolzinha, que sabe ponderar, e como..., mediante às situações da vida. Ao Tiago, que com toda sua casmurrice, ensinou-me a refletir para além do indivíduo. À Laura, simplesmente por ser meiga e não deixar-se enrijecer. Ao André, o Mano, por ajudar-me em minhas descobertas. À Kátia, pela disciplina. E por falar em disciplina, tenho que agradecer à minha treinadora Giane, por fazer encontrar-me com meu corpo. Ao meu xará, de nome e sobrenome, Di, por poesia exalada pelos poros. À Mariana, a Benê, pela serenidade. Ao Lucas, ao Brian, ao André Cilino por me fazerem mais forte. À tia Salete, por também ser mãe. Ao tio Sérgio, por também ser pai. À tia Celma, por ser amiga. Ao Tio Fábio, por ser empreendedor-conselheiro. Aos primos: Vítor, Ígor, Júlia e Pedro, por também serem irmãos. Aos amigos mais antigos: à Dani, pela vizinhança feliz; à Laís, pelos recreios famintos; à Aline, pela teatralidade. À Flávia, pela eloqüência. À Giselinha e à Michela, pela alegria de viver. À Dona Neide, por fazer despertar em mim o interesse pela linguagem. Ao vô Jiquilin, por ser um bon-vivant.
Aos meus irmãos: Dimas, por ser sábio; Daniel, por ser teimoso; Denis, por ser distante. Ao meu pai, à Emi e toda trupe paraguaia, por ensinar a tranqüilidade pachã.
Estes são meus amigos diacrônicos.
Aos amigos sincrônicos, agradeço a Beatriz, por emprestar-me o ombro nos momentos de morriña. Ao Albuquerque e ao Garrido, por serem tão solícitos. À María José, pela orientação e revisão dos meus rascunhos. Aos colegas de curso, por ensinar-me muito sobre latinidade. Em especial, tenho que render graças à Viviane, a Vi, primeiro por ser tão brasileira quanto eu, depois por toda a companhia e generosidade. À Lingyin, por proporcionar-me entretenimento, válvula de escape nesse mundo atroz. À Madeleine e à Soledad, por serem tão paraguaias quanto eu, por compartilhar um bom mate durante momentos reflexivos.
Agora é a hora do clichê: sei que as palavras são escassas para definir cada um e que neste momento não me lembrarei de muita coisa que já passou. Vocês citados sabem que são muito mais para mim do que essa meia dúzia de palavras articuladas. In memoriam: Mercedes, Clarice e Frida, guerreiras do sofrimento e da poesia. In memoriam: vó Zorinha, lembrança inamovível. Encerro, então, com uma canção da Negra, que neste instante, e para esta tese, significa muito (e também para retornar a esta língua que cerceia):
Cambia lo superficial
Cambia también lo profundo
Cambia el modo de pensar
Cambia todo en este mundo
Cambia el clima con los años
Cambia el pastor su rebaño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño
Cambia el más fino brillante
De mano en mano su brillo
Cambia el nido el pajarillo
Cambia el sentir un amante
Cambia el rumbo el caminante
Aunque esto le cause daño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia el sol en su carrera
Cuando la noche subsiste
Cambia la planta y se viste
De verde en la primavera
Cambia el pelaje la fiera
Cambia el cabello el anciano
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño
Pero no cambia mi amor
Por mas lejo que me encuentre
Ni el recuerdo ni el dolor
De mi pueblo y de mi gente
Lo que cambió ayer
Tendrá que cambiar mañana
Así como cambio yo
En esta tierra lejana
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Cambia todo cambia
Pero no cambia mi amor...
terça-feira, 23 de março de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário